e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

domingo, 27 de maio de 2012

A educaçao sentimental da nova classe média






I - Avenida... veloz


Tarde entendi que a vida é inventada, e este é um dos motivos pelos quais curto ver novela das 9. Quando é boa como Avenida Brasil, na medida em que a narrativa cresce, vê-se que o que vai sendo inventado na trama muitas vezes copia as cotas de invenção e fantasia que a vida exige quase todo santo dia.  


Há tempos não via uma novela bem urdida. Trama com personagens de carne e osso, onde os elementos da narrativa encaixam. Dentre esses elementos, curto principalmente o ritmo. Avenida... tem vários ritmos. Ritmos velozes. Tão velozes quanto as canções da trilha. Velozes feito as falas e os gestos cotidianos da nova classe social que diariamente é posta na tela pelo autor João Emanuel Carneiro - coroteirista do belo filme Central do Brasil.


A velocidade musical - e a subjetiva - têm muito a ver com a rapidez com que os fatos se anunciam e se transformam nesta trama agitada onde nada é claro; até a mocinha é contraditória, mente e trapaça.  Essa agitação da trama é traduzida, dentre outros, nas belas imagens e curvas - noturnas, aceleradas - da real Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, com trilha sonora eletrizante. Por esta avenida passa diariamente o Brasil.


Concordo com o autor Gilberto Braga quando diz que a novela é boa, e a trilha não.  Mas creio que nesta altura da vida (e da história da TV), a gente já sabe que dificilmente Deus dá tudo. Se a trilha sonora é cruel (brega, melosa), podemos investir mais no olhar. A iluminação, por exemplo, é certeira: cheia de contrastes de luz e sombras, com tons que se repetem em variações de cores que parecem dialogar entre si. Tomadas diferentes. Imagens de cinema nos brinda a direção da Amora Mauthner.


II - país violento


Curto principalmente esses contrastes e variações que, juntos a muitas inversões e paradoxos infindos, estruturam os discursos da Avenida Brasil. Através deles, o autor “leciona” as contradições das nossas identidades culturais. Desnuda as fragilidades que engendram as relações familiares e afetivas e estampa, de forma sutil, nossas mazelas sociais.


Dá para entender porque a novela gera tantos comentários críticos: é difícil perceber, no momento em que o Brasil começa a encarar o seu passado militar, como somos violentos e preconceituosos. Claro que somos lindos. Temos graça e, ao contrário de muitos povos europeus, aprendemos a conversar olhando no olho. Chegamos ao século XXI - até que enfim - com as contas em dia.


Mas não podemos esquecer, por exemplo, que somos campeões mundiais em acidentes de trânsito. Ostentamos uma das mais altas estatísticas de violência familiar e de abuso sexual. Afirmamos não ter preconceito, mas espancamos diariamente as minorias sexuais. Aqui, 10 mulheres morrem todos os dias. Vou repetir por escrito: os brasileiros matamos dez mulheres a cada dia.



Mais: nossos índices de analfabetismo continuam altos. Lemos pouco. Basta olhar para os vizinhos argentinos e suas avenidas repletas de livrarias. E para quem crê que Avenida... exagera nos cenários violentos do lixo, é bom lembrar que  produzimos o maior lixão da América Latina – o aterro de Gramacho. Com 1,3 milhão de metros quadrados ele sustenta, além de porcos e urubus, cerca de 1.700 pessoas.  Lá viveu Estamira - a louca cuja lucidez cortava nos lixões onde o cinema chegou antes da tv. 


III - nomes e livros


Seria covardia destacar aqui algum nome do grande elenco: só tem craques. Até estreantes, que nem a bela Tessália e o dançarino Darkson, arrasam (A escolha dos nomes dos personagens é outro acerto. Geralmente há bastante sintonia entre a sonoridade do nome e a imagem do artista. Tufão ou Nina, Adauto ou Muciri, o material acústico combina diretinho com a materialidade física).


Como um telespectador que dá aulas, é claro que a questão da leitura nesta novela interessa muito a mim e à professora Tetê Bezerra, noveleira assumida. Não vi ninguém lendo no núcleo zona sula da novela. Chama atenção o fato de  ser Tufão, o craque suburbano, o leitor.  Primeiro, Nina sugere para ele a leitura de Kafka. Mas ele não entende o recado da cozinheira: ela deseja que ele veja que é numa barata que Carminha o transforma, impedindo-o de perceber o real à sua volta.


Depois dA Metamorfose onde o ser degradante se perde de si, Nina indica Dom Casmurro, de Machado de Assis, trazendo as senhas da dúvida e da traição de que Tufão é vitima. Mas o jogador não se toca. Aí Nina pega pesado: manda ele ler do Flaubert o livro Madame Bovary – romance de 1856 no qual o adultério é tema.


Nesta prosa francesa onde um médico rural é traído pela esposa, o burguês é o vilão cujos instintos e emoções dão o tom da narrativa. Por causa deste clássico do realismo francês, Flaubert e o editor foram levados aos tribunais, acusados de imoralidade e pornografia - signos que remtem direitinho ao universo da Carminha.


Tomara que a educação sentimental de Nina surta efeito. Tomara que o Tufão se toque logo. E que João Emanuel, Murilo Benício e Adriana Esteves não demorem.  




sexta-feira, 25 de maio de 2012

greve

Iniciada no dia 17 de maio, a greve dos docentes das universidades federais envolve 44 das 60 instituições de ensino. Essas instituições são a base de 48 seções sindicais filiadas ao ANDES-SN. A seguir, transcrevo um texto do Comando Nacional de Greve da Andes - SN. www.andes.org.br




À SOCIEDADE BRASILEIRA
Por que os(as) professores(as) das instituições federais estão em greve?

A defesa do ensino público, gratuito e de qualidade é parte essencial da história do Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), assim como a exigência da população brasileira, que clama por serviços públicos, com qualidade, que atendam às suas necessidades de saúde, educação, segurança, transporte, entre outros direitos sociais básicos.
Os(as) professores(as) federais estão em greve em defesa  da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade e de uma carreira digna, que reconheça o importante papel que os docentes têm na  vida da população brasileira.
O governo vem usando seguidamente o discurso da crise financeira internacional como justificativa para cortes de verbas nas áreas sociais e para rejeitar todas as demandas feitas pelos servidores públicos federais por melhores condições de trabalho, remuneração e, consequentemente, qualidade no serviço público.
A situação provocada pela priorização de investimentos do Estado no setor empresarial e financeiro causa impacto no serviço público, afetando diretamente a população que dele se beneficia.
Os professores federais estão em greve em defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade e de uma carreira digna, que reconheça  o importante papel que os docentes federais tem na vida da população brasileira.

Pela reestruturação da carreira.
Há anos os(as) professores(as) vêm lutando pela reestruturação do Plano de Carreira da categoria, por acreditarem que essa reivindicação valoriza a atividade docente e, dessa forma, motiva a entrada e permanência dos profissionais nas instituições federais de ensino. No ano passado, o ANDES-SN assinou um acordo emergencial com o governo, que previa, como um dos principais pontos, a reestruturação da carreira até 31 de março de 2012. Já estamos na segunda quinzena de maio e nada aconteceu em relação a essa reestruturação.
Para reestruturação da carreira atual, desatualizada e desvirtuada conceitualmente pelos sucessivos governos, o ANDES-SN propõe uma carreira com 13 níveis, variação remuneratória de 5% entre níveis, a partir do piso para regime de trabalho de 20 horas, correspondente ao salário mínimo do DIEESE (atualmente calculado em R$2.329,35) A valorização dos diferentes regimes de trabalho e da titulação devem ser parte integrante de salários e não dispersos em forma de gratificações.

Pela melhoria das condições de trabalho nas Instituições Federais.
O começo do ano de 2012 evidenciou a precariedade de várias instituições. Diversos cursos em Instituições Federais de Ensino – IFE tiveram seu início suspenso ou atrasado devido à precariedade das Instituições.
O quadro é muito diferente do que o governo noticia. Existem instituições sem professores, sem laboratórios, sem salas de aula, sem refeitórios ou restaurantes universitários, até sem bebedouros e papel higiênico, afetando diretamente a qualidade do ensino.
Ninguém deveria ser submetido a trabalhar, a ensinar ou a aprender num ambiente assim. Sofrem professores, estudantes e técnicos administrativos das Instituições Federais de Ensino. E num olhar mais amplo, sofre todo o povo brasileiro, que utilizará dos serviços de profissionais formados em situações precárias e que, se ainda não têm, pode vir a ter seus filhos estudando nessas condições.
Por isso convidamos todos a se juntarem à nossa luta. Essa batalha não é só dos(as) professores(as), mas de todos aqueles que desejam um país digno e uma educação pública, gratuita e de qualidade.

Para saber mais sobre a greve e as negociações com o governo acesse : www.andes.org.br
A Educação pública, gratuita e de qualidade é um direito de todos.

terça-feira, 15 de maio de 2012

leituras da paisagem



Algumas paisagens nordestinas serviram de cenários para o leitor em formação que eu era no início dos anos 80. Amo cenários de leituras à beira mar como Caucaia e Canoa Quebrada (CE), Alcântara (MA), Jacumã (PB), Trancoso (BA) Pitangui, Baía Formosa e Pipa (RN).

Essas praias são rotas de muitas tribos. Principalmente para mochileiros, estudantes e alternativos do mundo inteiro. Viajam por elas surfistas e leitores paridos pelos movimentos da contracultura. Últimos “hóspedes da utopia” andando sozinhos ou em bandos. Muitos deles tendo como parceria um livro ou "caderno terapêutico".

Algumas leituras daquele contexto ainda ecoam. Lembro da poesia de Pessoa e do romance “Não verás país nenhum”, do Ignácio de Loyola Brandão, lidos em Canoa. De Alcântara - onde li o mar mais triste que olhei - ficaram os casarões em ruínas a espera do imperador, e um São Raimundo Nonato de madeira que ainda hoje me fita das estantes que me suportam.



leitura formata a alma



Lendo o “Livro do Desassossego”, do Bernardo Soares, em Pipa, atravessei por entre pedras o deserto das águas; fabriquei sustos, até então desconhecidos, perante a pujança com a qual a vida às vezes brota.


“Ópio”, do Jean Cocteau, foi lido em Trancoso em meio aos excessos da juventude e o martírio da beleza.


Uma dissertação sobre a poesia da escritora Ana Cristina Cesar foi escrita na praia de Pitangui - um retiro prolongado cujo silêncio vicia. De Jacumã, ficaram leituras esquecidas e as passagens das águas claras de rio e mar avisando que a vida flui.




Trindade

 


Lembrei dessas paradas de águas e letras porque li - em Trindade (RJ) - “O filho de mil homens” do Valter Hugo Mãe, e “Alguma Crítica” (que título) do João Alexandre Barbosa - grande crítico literário e professor, com quem li a modernidade crítica de Drummond e Cabral.


Na segunda vez que estive neste destrito de Paraty, li "Portugal como destino", do Eduardo Lourenço, e a poesia completa de Alberto Caeiro (ouvindo "O rio da minha aldeia" musicado por Tom Jobim - "A música em Pessoa"). Completam o concerto, as "Vozes da lírica hispano-americana" na tradução precisa do mestre Aurélio Buarque de Hollanda.


Trindade (foto) é um cenário para sempre. Um cenário de leituras que, assim como aquelas praias nordestinas, devolve o leitor a si. Nestas paisagens marítimas, quem lê se reconhece - à la Bernardo Soares - como sinfonia.

domingo, 13 de maio de 2012

Anna

Lúcido e materno é o comentário da Anna Kaum, publicado neste blog no dia 12 de Maio. Gostei tanto que o transformei - interferindo apenas na forma - neste post com tela de Aguilar.


Quando eu era menina, como toda menina no meu tempo de menina, sonhava com filhos. Mais tarde a medicina me roubou a ilusão e no espelho, entre suspiros, não me restava muita opção. Tinha que me aquietar, me reinventar, procurar em outro lugar os pedaços de história que formariam meu caminho. No fundo, não sabia ao certo se era mesmo ser mãe o que queria.

Um dia, sem que me ocupasse em querer, de dentro de mim meu filho se apossou e no meio da estranheza cheia de perguntas, a minha revelia ele crescia. Isto foi a dezoito anos atrás e não sei o que seria se ele não tivesse vindo. Ele é o outro e eu mesma, minha sanidade, minha alegria, minha escolha perfeita, a parte inteira da minha colcha de retalhos.


Se você me perguntar o que é ser mãe, não sei; de todas as definições, nenhuma se encaixa; e se me perguntar o que é ter um filho e conviver com ele e se deixar ensinar, só poderei lhe dizer que não conheço as palavras.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Mãe e filho

Para Constância Duarte


Filias e filiações tecidas a partir do entorno, do que se pega antes da mão ouvir. A casa. O cheiro bom e a estupidez da casa.  A imobilidade da casa que côa o sol e o deslocamento dos seres que a habitam.


Corpos abandonados por suas almas. Corpos e casas reinventados. Uma morta interpõe-se entre o velho e o menino? Nojo e declínio na leitura da finitude. Adubondade.

Essas figurações de vida e morte constituem alguns dos núcleos temáticos que estruturam o belo romance “O filho de mil homens” (2011) do escritor português Valter Hugo Mãe, autor do pujante "A máquina de fazer espanhóis" (2007) - narrativa que tem como personagem o Esteves da "Tabacaria" de Pessoa.


A seguir, trechos desta ficção que comove e ratifica a vitalidade do amor e da saudade na cultura portuguesa, de olho na construção de outros arranjos familiares e nos novos formatos das relações contemporâneas.

 
... podia afirmar com rigor um cuidado de valores que ratificariam a sua existência ... p. 154

Era uma doença que lhe saía nas palavras. p. 178

Cada filho somos nós no melhor que temos para dar. p. 181

... ambos sentiram que a natureza toda os entendia e geria a sua inteligência para favorecer os seus desejos. Puseram-se de luz, como se caíssem de um candeeiro. p. 196

domingo, 6 de maio de 2012

narrativa histórica


Para Tetê e Fátima Bezerra



No momento em que o Brasil começa a olhar para o seu passado como procedimento que permite avançar e se ver, o texto “Os nossos holocaustos”, de Cristóvão Buarque, publicado nO Globo em 19 de abril, auxilia na releitura da nossa narrativa histórica. Como sugere o título do texto, Cristóvão nos convoca a rememorar alguns dos nossos holocaustos – principalmente a morte de 4 a 5 milhões de índios, e a escravidão de 4 milhões de negros arrancados da África como mercadoria durante mais ou menos 300 anos. Negros e índios não tinham alma, pensava o colonizador.



Em 2005, Lula viajou ao Senegal – ponto de saída dos navios negreiros para as Américas – e pediu perdão aos africanos por causa da escravidão. Um gesto histórico. Na Casa dos Escravos, Lula falou do grave erro histórico que foi o regime da escravidão, e instituiu as cotas raciais nas universidades brasileiras como procedimento que tenta algum reparo. Depois de muita celeuma, o STF aprovou em 2012 a legalização das cotas – por unanimidade – derrotando a postura conservadora do DEM.



Na semana passada, cinco universidades fluminenses – UFF, UERJ, UFRJ, UNIRIO e UFRRJ – outorgaram o título de doutor honoris causa a Lula. Nada mais justo. Com diploma de torneiro mecânico, ele criou 12 universidades (superando a marca das 10 criadas na era JK). Alfabetizou corações e mentes. Como disse o primeiro presidente americano negro, ele é o cara. Encarou os nossos holocaustos e, para receber o referido título, subiu as escadas do teatro João Caetano sem bengalas.

terça-feira, 1 de maio de 2012

"Tu trabalhas, tu pensas, e executas"


O verso acima compõe o poema "Espinosa", de Machado de Assis, e faz parte do livro
Poemas brasileiros sobre trabalhadores: uma antologia de domínio público

Organizadores: Antônio Augusto Moreira de Faria e Rosalvo Gonçalves Pinto (professores coordenadores) e estudantes.

Edição: Faculdade de Letras da UFMG - Coleção Viva Voz (Laboratório de Edição - LABED), 2011


Disponibilizada em: