esta tão
dura morte é ainda o
resto da minha alegria
Walter Hugo Mãe,
“Poemas”
Os leitores do escritor Walter Hugo Mãe sabem que
a solidão e a morte são temas recorrentes em suas narrativas críticas repletas de poesia,
e alumiadas por pequenas epifanias cotidianas. Essa recorrência pode ser aferida, por exemplo,
em romances como A máquina de fazer
espanhóis (2005), O filho de mil
homens (2011) e A desumanização (2013).
Este último livro começa tecendo relações entre o imaginário
e a morte. Traz uma epígrafe de Halldór Laxness que ratifica um dos temas recorrentes do escritor luso:
“Um homem não é independente a menos que tenha a coragem de estar sozinho.” A
solidão é, na verdade, uma importante “personagem” desta narrativa. Ela está
presente até no abraço entre pai e filho.
Está presente na sugestão de que “num certo sentido, todos os homens
começaram por ser uma mulher. A mulher grávida não difere do seu filho senão já tarde.”
Apesar da aparente clareza de sua prosa, este poeta que
também canta contradiz a sua própria epígrafe, ao reler, na primeira parte do
romance, o filósofo e escritor Jean Paul Sartre em sua declaração infernal. Diz
o escritor luso, pós-graduado em literatura portuguesa moderna e contemporânea: “o inferno não são os outros... Eles são o
paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal.”
O autor português não possui filiação estética ou
ideológica com o escritor francês que tinha no engajamento a sua práxis, mas
escreve na tonalidade do seu tempo. Sabe que não vai mudar o mundo. Relê
temas cotidianos como as escolhas da maturidade, e usa as narinas nas leituras do universo feminino (“a menstruação é o sangue que entristece”). Porque a família tradicional anda cansada e sem leveza, ele recorta as novas relações afetivas e
familiares na cultura contemporânea. Fareja os formatos das novas famílias.
A escrita de Walter diz muito do que o ser moderno trama em seus
desertos urbanos e silenciosos carregados de ruídos. Numa mirada divina repleta
de alma humana, os seus personagens nos ensinam sobre um tema bastante
contemporâneo, os deslocamentos. Ouça, caro leitor, a lição: “quando deus ficar
feio, as coisas mudarão de lugar.”