Nas sacadas dos sobrados/Da velha São Salvador/Há lembranças de donzelas,/Do tempo do Imperador./Tudo, tudo na Bahia/Faz a gente querer bem/A Bahia tem um jeito,/Que nenhuma terra tem!
(Dorival Caymmi, "Você já foi a Bahia?")
Nas sacadas dos sobrados/Da velha São Salvador/Há lembranças de donzelas,/Do tempo do Imperador./Tudo, tudo na Bahia/Faz a gente querer bem/A Bahia tem um jeito,/Que nenhuma terra tem!
(Dorival Caymmi, "Você já foi a Bahia?")
Ouro Preto nos olha. Mas a cidade não se entrega ao primeiro olhar de quem a vê. Seus mais de trezentos anos emprestam-lhe a segurança de quem sabe ser o tempo pai da forma. Suas torres, fachadas, treliças, janelas e vãos (fechados ou luzidios) espreitam-nos, possibilitando um diálogo óptico através do qual mais somos vistos do que vemos. Em Ouro, a luz é sem data, diz Cecília Meireles. Uma luminosidade suave (nunca indecisa) namora a pele secular das paredes – lição que nos ensina serem a leveza e a superfície os princípios vitais da existência, da criação.
"Ouro Preto chama Paris"
(Milton Nascimento e Wilson Lopes, "Coisas de Minas")
Paris é um grande salão de biblioteca atravessado pelo Sena.
(Walter Benjamin, Rua de Mão Única)
Paris... é uma cidade que se consulta como uma encliclopédia...
(Ítalo Calvino, Um Eremita em Paris)
Ninguém deveria morrer sem ver a luz de Paris
(Maria Bethânia)
Em alguns lugares de MG, como Ouro Preto, podemos viver num único dia as 4 estações. Com certas pessoas não é diferente: todas as estações podem ser vividas num curto espaço de tempo. Mesmo que, no inverno, o corpochova e a almacolha. Mesmo que, no verão, o corpo-árvore e a alma-nave. ...o corpo adube e a alma (a)flore na primavera. E, no outono, o corpo urre e a alma grite. Mesmo que. Mesmo.
Morfeu para Neo:
Se tomar a pílula azul, a história acaba, e você acordará na sua cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha ficará no País das Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho. Lembre-se: tudo o que ofereço é a verdade...
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I
Foi o poeta Leonardo no entanto Gandolfi d’água quem primeiro avisou: “Belchior sumiu”. Achei que era pegadinha e perguntei como. “Sumiu”, respondeu o poeta. Depois li nO Globo e soube que saiu no Fantástico. Era verdade: ninguém sabia onde estava o cantor cearense que abandonou a medicina e optou pela música. O cavaleiro andante dos sertões do Nordeste, o trovador eletrônico do Brasil, o Dom rapaz latino-americano...
Esse sumiço, para os fãs e para alguns que atuam nas áreas ligadas às artes e culturas, chega sempre de forma dúbia. Sumir, para muitos que criam, tem a ver com o mito do artista genial. Aquele que é fernandopessoamente ("Suave é viver só") inadaptado. O ser que se retira de cena por não suportar o convívio com a raça humana. Exemplar mor dessa condição na era moderna é o escritor norte-americano J. D. Salinger. Sua obra mais conhecida é o romance The Catcher in the Rye ("O Apanhador no Campo de Centeio" no Brasil e "À Espera no Centeio" em Portugal), livro publicado em 1951. Desde 1965 ele não publicou mais uma linha. Continua “desaparecido”. E vendendo. Greta Garbo é outro mito que curtia exilar-se.
IIHá no Brasil um caso semelhante, guardadas as devidas ressalvas. O escritor Raduan Nassar retirou-se da cena literária. Optou pela criação de galinha no interior de São Paulo. Isso após escrever um livro genial: Lavoura Arcaica – considerado um dos três melhores romances da década de 1970 (qual seriam os outros dois livros, hein Leonardo?, hein Gardel? hein Ector?). Hilda Hilst é outra que viveu "sumida" na Casa do Sol, até morrer em 2000. Dizia que tinha uma maldição. Reclamava do descaso da crítica com a sua vasta produção. Caio Fernado Abreu, que viveu uma época na Casa do Sol, criou uma personagem que sintetiza esta noção do sumiço na literatura contemporânea: a cantora de Onde andará Dulce Veiga.
IIISumido, Belchior fez-me lembrar da adolescência no internato, onde comecei a escutar suas canções. Sempre recheadas de referências literárias (Poe, Baudelaire, Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Joyce, João Cabral...), suas letras marcaram a minha geração. Além dos 16 discos solos, ele gravou 2 cds musicando poemas do Drummond. Após assistir a um dos seus shows, disse, no camarim, que ele havia chegado aos anos 90 (numa alusão a alguns companheiros de sua geração que permaneceram nos anos 70). Ele respondeu-me: "agora eu quero chegar aos 90 anos". Então, Belchior: volta. 63 é cedo para sumir. "Volta. Vem viver outra vez..."
ANTOLOGIA
No corcovado quem abre os braços sou eu
Copacabana esta semana o mar sou eu
Como é perversa a juventude do meu coração
Que só entende o que é cruel e o que é paixão
Paralelas
John, eu não esqueço (oh no, oh no)
A felicidade é uma arma quente, quente, quente
Comentário a Respeito de John
De Primeira Grandeza
Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim como um Sol no quintal
Divina Comédia Humana
E eu quero é que esse canto torto,
Feito faca, corte a carne de vocês.
A Palo Seco
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Ando pós-modernamente apaixonado pela nova geladeira.
Primeira escrava branca que comprei, veio e fez a revolução.
Esse eterno feminino do conforto industrial injetou-se em minha veia,
dei bandeira!
e ao por fé nessa deusa gorda da tecnologia gelei de pura emoção!
Balada de Madame Frigidaire
Sim, já é outra viagem e o meu coração selvagem
Tem essa pressa de viver
Meu bem, mas quando a vida nos violentar
Pediremos ao bom Deus que nos ajude
Falaremos para a vida:
"Vida, pisa devagar meu coração cuidado é frágil;
Meu coração é como vidro, como um beijo de novela"
Coração Selvagem
Meu pai não aprova o que eu faço.
Tampouco eu aprovo o filho que ele fez.
Sem sangue nas veias, com nervos de aço,
Rejeito o abraço que me dá por mês.
Lira dos Vinte Anos
Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão
Pequeno Mapa do Tempo
Como Poe, poeta louco americano,
Eu pergunto ao passarinho:
"Blackbird, o que se faz?"
Raven never raven never raven
Blackbird me responde
Tudo já ficou atras
Raven never raven never raven
Assum-preto me responde
O passado nunca mais
Velha Roupa Colorida
Pois o que pesa no norte, pela lei da gravidade,
disso Newton já sabia! Cai no sul grande cidade
São Paulo violento, Corre o rio que me engana...
Copacabana, zona norte
e os cabares da Lapa onde eu morei
Fotografia 3 x 4
Minha voz quer ser um dedo
na tua chaga sagrada.
Uma frase feita de espinho,
espora em teus membros cansados:
sensual como o espírito
ou como o verbo encarnado
Sensual