e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Segunda leitura da morte



... esta tão/ dura morte é ainda o/ resto da minha alegria

Valter Hugo Mãe, “Poemas”


Fala a deusa Forma no reino de Perséfone: tua morte mexeu na alma e no corpo. Arrancou de mim dois quilos, e as gramas restantes da utopia que regeu o último verão. Sugeriu novo ritmo: menino, larga essa margem e corre. Ela é violenta e cai. Derruba. Em salas silenciosas, grávidas de tensão e alguma graça mariana, luvas marginais ensaiam a cegueira sem nenhum sossego. Fé na paisagem, “ao retornar e enfrentar o dia-a-dia/ E escrever...”

Tua morte, como a margem, mata. Matou certezas enrijecidas na mente, na carne. Traçou roteiros para uma estação de luz e brisa, atravessada por silêncios que falam. Dizem mais que as reuniões burocráticas e os discursos de plantão, regidos pelo lirismo rigoroso de Thanatus. Um lirismo vio-lento repleto de sombras e afiados canivetes orais.  Teu antigo reino continua sem xerox sem cantina sem  paz - esse artigo de luxo. Nesta guerra de egos, siglas e cus de Judas, foi “Salazar quem me mandou para Angola”.

Agora, querida, é outono. Teu nome, uma sugestão de futura homenagem póstuma. Eros e Prometeu já não promovem desordem, embora o horóscopo anuncie o poder das coxas e do fogo. Leio a oralidade das cachoeiras e os ruídos significantes cheios de desejo e som. Fazes-me falta na tabacaria. Desde que você se foi, um antigo som voltou a funcionar, e o Esteves continua "metendo troco na algibeira das calças". Desde que você se foi, o outono anda nas folhas, e o custo de vida subiu muito.  Desde que você.
 

sábado, 13 de abril de 2013

Dispositivo de luz e cor


notas sobre o romance Claros sussuros de celestes ventos (2012), de Joel Rufino



Com cerca de trinta títulos de ficção publicados, Joel Rufino é um dos principais escritores da antologia Literatura e Afrodescendência no Brasil, organizada por Eduardo de Assis Duarte. Nesta antologia, Joel é lido como um escritor que constrói “um inusitado diálogo entre ficção e história.”   
 
Este diálogo continua rentável. Claros sussurros de celestes ventos, quarto romance do autor, é um livro urdido com experiência narrativa, literária e histórica. Um romance repleto de descrições poéticas e referências ao universo da poesia. Nele, o professor de Literatura Brasileira estetiza, dentre outros, a vida e a escrita produzida por autores negros no contexto sócio-político do Brasil no final do século XIX, criando intertextos com o que se lia e ouvia nos primeiros anos da nossa república tropical: Schiller, Schuman, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Blake, Rimbaud...
 
O livro remete a um contexto estético e cultural bastante afirmativo para as nossas Letras, como as origens do nosso Modernismo e a fundação da ABL, dentre outros. Por isso, o texto de Joel pode ser lido como uma espécie de memórias estéticas do Brasil no final do século XIX e inícios do século XX – tempos nos quais as certezas absolutas produzidas pelo Positivismo e seus lemas progressistas começavam a ruir.

 
O texto pode ser lido, também, como um conjunto de micro narrativas biobibliográficas. Micro narrativas repletas de figurações da vida cultural e dos problemas sociais concernentes àquele contexto pós Império, como a escravidão, as desigualdades sociais e as contradições políticas do regime republicano. Tempos nos quais “a república era uma planta fraquinha.”

 
O romance constrói-se a partir de memórias e relatos baseados na vida e na obra de autores negros que compõem o nosso cânone literário até o início do século XX: Cruz e Souza, Lima Barreto, Raul Pompéia, Machado de Assis, Mário de Andrade. Essa afirmação da escrita e da cor em Claros sussurros..., remete ao “dispositivo de luz” sugerido pelo próprio autor no capítulo “O fabricador de diamantes”. Neste, o poeta Cruz e Souza, estetizado como João da Cruz, tenta acalmar a sua amada Núbia, cujo “temperamento entorta muito para a África”.

 
Em sintonia com essa negritude, acrescentamos, ao “dispositivo de luz”, a cor sugerida próprio texto, a fim de ratificarmos o que parece ser um dos objetivos do autor: a criação de uma escrita calcada na noção da diferença e que, em conexão com a história, inscreve o universo subjetivo dos negros. A narrativa transforma-se num dispositivo de onde emana a consciência da historicidade literária e da materialidade cultural da linguagem. Esse dispositivo não funciona como regra ou artigo de lei, mas, como registra o dicionário Aurélio, um “conjunto de meios dispostos para certo fim”.

 
Narrativa de perdas, quedas e internações de personagens marginais mergulhados na experiência histórica e cultural do seu tempo, Claros sussurros... é um texto repleto de poesia. Como a poesia flagrada na descrição de um palacete suburbano, assim: “mas o que lhe dava a graça, graça selvagem, eram janelas de frente para o oceano, de onde nasciam, nas madrugadas de ressaca, sargaços, pernas de bonecas irlandesas, botas desoladas.”

 
O autor domina os procedimentos narrativos, produzindo uma linguagem de ritmo marcante que ajuda muito na ação da leitura. Seus cortes e modos de pontuar podem ser mensurados na precisão dos diálogos, e na forma como aproveita a abertura do romance como gênero permanentemente em mutação, acolhendo em seu formato outros gêneros e outras formas estéticas, como as cartas, as lendas urbanas e até panfletos anunciando curas, como lemos no belo capítulo “O fabricador de diamantes”.


Tomara que esse diálogo entre ficção e história renda ao autor outros romances.  

 

domingo, 7 de abril de 2013

Dona Dora



Quando fazia o monólogo Dona Doida, guiada pela poesia da mineira Adélia Prado, sua conterrânea, a atriz Fernanda Montengro me deu, no seu camarim em Natal, um dos autógrafos mais belos da minha vida: “Coragem! Porque sonho não morre.” Além da idéia de afirmação condensada, gosto principalmente da sintaxe luxuosa desta frase borgeana no seu jeito de pontuar e sugerir. Esse autógrafo-verso passou a ser uma espécie de mantra existencial escrito por quem acredita que a arte, dentre outras coisas, erige, conforta.

 
Sou atento a toda aparição da Fernandona. Ela sempre alumia. Acrescenta porque surpreende. Não se repete. Além de iluminar teatros e telas de cinema há mais de meio século, ela vitaliza páginas de jornais e telas de TV em entrevistas permeadas de lucidez e poesia, como a que deu esta semana para o ator Lázaro Ramos, no Canal Brasil, rememorando os seus primeiros trabalhos: “ouço a rádio como se fosse tatuagem”.


Essa voz é tatuada em fãs bem mais interessantes do que eu, como a sueca Liv Ullmann. A Atriz predileta de Bergman declarou recentemente o seu apreço por Dora do filme Central do Brasil, personagem com a qual Fernanda concorreu ao Oscar de melhor atriz em 1999.

 
Marcou-me neste 2013 uma entrevista que a atriz deu para O Globo, falando da sua arte e reconhecendo, sem dramas, as perdas impostas pelo tempo. Vi esta matéria afixada até em restaurante. Sou sempre atento às lições da Fernandona. Elas são didáticas, permeadas de um grau de gentileza difícil de encontrar nos meios culturais, como esta lição de alteridade: “Uma platéia talentosa é responsável por grande parte do espetáculo”.

 
Numa tempo de novelas que não salvam, e enquanto não chega "Saramandaia" - o próximo trabalho de Fernanda, (a)guardemos suas lições de sabedoria. Ao afirmar a existência com profissionalismo e vigor, ela ajuda a construir a platéia, o país. Deve ser por isso que, nos anos 80, Dona Fernanda Doida Dora Montenegro de Beauvoir foi convidada para ser ministra da Educação e Cultura. Sábia, ela recusou o convite. Lembrou-me um personagem de Terra em Transe, do Glauber Rocha, que dizia serem a a poesia e a política demais para um homem só.
 
 
 

sábado, 6 de abril de 2013

Cacá Diegues hoje nO Globo



"... A culpa não é só do partido de Feliciano, o PSC, que o indicou; os outros também preferiram o conforto próprio, em detrimento da segurança social da população. Quando isso aconteceu, onde estavam o PT e seus “progressistas”? Por onde andavam os “democratas” do PSDB? Que faziam os “socialistas” do PSB? E os “liberais’ do DEM? O único congressista que vi se manifestar desde a primeira hora, com coragem e firmeza, sem se preocupar com as conveniências regimentais da Casa, foi o deputado Jean Willys.

Suspeito que Marco Feliciano não seja um homem feliz. Ele deve viver atormentado pelos fantasmas do porre de Noé, do pecado de Cam, da maldição divina sobre a África e os negros. Feliciano não pode gastar relaxado o dízimo de seus fiéis, enquanto houver no mundo aborto, homossexuais, casamento gay e gente que não pensa como ele. “Infeliciano” não deve dormir em paz. ..."


Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/opiniao/a-infelicidade-de-feliciano-8039876#ixzz2PhZW2o00