e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

minicurso hoje na UFRRJ


O arquivo de formas da margem


Ana C, Caio F e Paulo Leminski



EMENTA: Margens, marginalidades, periferias - o que é literatura marginal? Panorama moderno e marginal da literatura brasileira nos séculos XX e XXI, de ouvido atento às margens da história e da cultura:  o "terrorismo literário", das periferias, e o "brado retumbante", das chamadas minorias, ecoam nas "margens plácidas" do cânone literário. Do moderno ao contemporâneo: diálogos entre a poesia marginal, a modernidade e o arquivo da tradição literária. Leitura dos procedimentos críticos, culturais e estéticos relidos pela geração alternativa ou mimeógrafo, no Brasil dos anos 70/80. Nem toda marginália é vã. Abrangendo a produção escrita neste contexto da Contracultura, passando pelas últimas décadas do século XX até a primeira década do século XXI, esses diálogos elegem algumas formas breves como poema, conto, crônica, ensaio, resenha e carta, escritos por Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski e Caio Fernando Abreu, dentre outros.


 

sábado, 23 de novembro de 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Cazuza no museu II



Para Jo, Jurema, Rita e demais colegas da graduação em Letras - UFRN

 

Creio que a maioria dos leitores conhece Cazuza como o roqueiro exagerado que morreu de aids nos anos noventa, pedindo uma ideologia para viver. Poeta porralouca, seu desbunde tem a ver com a contracultura, e com o comportamento desejante dos jovens, como atesta essa fala que está no Museu da Língua Portuguesa: "eu não estou cabendo no mundo, me ajude alguém”.

 
Carregado nas referências literárias, o post anterior gerou indagações em torno do Cazuza leitor. Alusões às gerações beat e marginal parecem mais fáceis de engolir; não as relações de Caju com os textos de Carlos Drummond e Clarice Lispector. “Como assim”, pergunta Julia, “o que tem a ver o exagero do mar de Ipanema com a melancolia do pó de Minas”?

 
Bela pergunta, Julia, daria uma tese. Exímio leitor de prosa e poesia, Cazuza gostava de Água Viva, livro publicado em 1975 por Clarice Lispector. Dela, ele musicou trechos da crônica “Que o deus venha”, do livro póstumo A descoberta do mundo. O compositor transformou, em parceria com Frejar, o texto da escritora num belo blue gravado por Cassia Eller em seu primeiro vinil.
 
 
"lírios não nascem da lei"

 
Se com Clarice havia uma relação de identidade (“Sou inquieta, áspera e desesperançada”), com Drummond, parece haver uma filiação existencial em relação ao tempo. O poeta mineiro e o compositor carioca são do mesmo partido, como sugere o poema “Nosso tempo”, do livro A rosa do povo: “Este é tempo de partido/ tempo de homens partidos”. Este poema lembra a forma como Cazuza inicia sua canção “Ideologia”: “Meu partido é o coração partido”.

 
Mesmo partido, esse coração continua batendo. Quem muito bateu em vida, bate agora no museu. Logo ele que cantava, no final da vida, “eu vejo um museu de grandes novidades”, é agora peça viva de um ambiente interativo, onde as pessoas, ao atenderem a um telefone antigo, podem ouvir um Cazuza ríspido (“caralho, tem que ter uma mente nova”) ou esperançoso (“O Brasil vai ensinar ao mundo”). Coisas de quem portou, na veia, o final do século sem filtro.

 

domingo, 10 de novembro de 2013

Cazuza no museu III



Para a professora Lucia Helena e as turmas
do curso Letras/Parfor da UFRRJ


Cazuza mostra a sua cara no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Cazuza - misto do Brasil urbano que toca na favela, no sertão e na periferia da metrópole. Ouvido de todas as raças e de todos os tons, ele canta vários credos ecumênicos e gêneros sexuais.  Mistura de ritmos com poesia, ele tem a manha do poeta rápido, rasteiro.

Cazuza é letra pop. Escrita cultural que a academia acolhe como produto da era da redemocratização, nos anos oitenta, quando ele cantava “a burguesia fede” e, contradizendo o seu próprio discurso demolidor, afirmava: “eu tenho esperança, eu fiz o que pude”.

Além dessa esperança, Cazuza traz o sonho ("quem tem um sonho não dança") e a religiosidade ("Peço a deus que me perdõe no camarim") dos autores românticos ("adoro um amor inventado"). Cercado de paradoxos, ele vive no limite proposto pela rapidez moderna de um tempo veloz e trepidante que não pára.

feito de letras e verbos
 
"Exagerado" assumido, o poeta sabe que “viver é gastar a vida” (Mário de Andrade). Como o jagunço Riobaldo, ele aprendeu, através da carne e do verbo, que "viver é muito perigoso"; e viu que "virar pelo avesso é uma experiência mortal" (Ana C). Amigo do escritor Caio F, o compositor também se alimentava de "pequenas epifanias", "morangos mofados", o escambau...

Cazuza conjuga os verbos do seu tempo. Ele vive, gasta, vira, dá e pede. Pede até piedade. Pede muito: pede “uma” ideologia para viver, pede para o Brasil, corrupto e autoritário, mostrar a sua cara e respeitar as leis; e pede também, ao contrário do compositor social, que quando estiver cantando ninguém cante nem se aproxime muito dele.

Cheio de sarros e “segredos”, esse canto - às vezes ao pé do ouvido - põe no liquidificador cultural a bossa nova, o rock in rol, a tropicália, Cartola e o samba canção. Cazuza junta a esses ritmos a poesia beat americana, a poética marginal brasileira, a luz e a farpa de Clarice Lispector, e muito pó, muita pedra das minas do poeta Carlos Drummond.

Coração "batendo travado na escuridão do quarto”, ele é o primeiro espanto numa geração que, ao ver a cara da morte, assume ser “cobaia de Deus”, e numa MPB que canta “dois homens apaixonados”.

Político, poético, porralouca e religioso, ele é um desses que "viram messias e andam no mar”. Por isso, ao contrário do que sugeriu a revista Veja, nos anos 90, sua obra fica. Fica e eu creio que ele ainda será trilha de outras gerações.


 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

o leitor e os livros


Formado em geologia pela Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL), o geólogo Pedro Caetano trabalha na livraria da editora Assírio & Alvim, em Lisboa. Exímio leitor de poetas modernos como Pessoa e Pascoais, ele conhece a tradição cultural produzida na terra de Camões, e discorre com saber e sabor sobre os mais diferentes autores, temas e livros da sua e de outras terras, como podemos ler na entrevista a seguir.

As páginas citadas por Pedro e o recorte do seu “cânone” literário sugerem, além de uma rigoroa mirada estética, que ele gosta dos livros e da literatura porque, como diz Todorov, ela “ajuda a viver”. Esse apreço pelos livros lembra a forma como o escritor austríaco Stefan Zweig rememora o poeta alemão Rilke: “ele amava os livros como se fossem animais mudos.”, diz o autor de O mundo de ontem.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

o leitor e os livros I

1- Pedro, qual é o melhor início de livro da literatura portuguesa?

A vila é uma rua. Vem do alto dos eucaliptos pedindo licença à planície para lhe interromper o sono, atravessa uma encruzilhada de estradas por onde corre o aceno de Espanha ou do mar e, bruscamente, num ímpeto de ousadia, trepa ao planalto ao encontro de uma igreja que foi couto de mouros e abades e ali se fica, arrogante a desafiar o pasmo da campina. À volta da igreja, as casinhas brancas, com altas chaminés que lhe furam o dorso atarracado, fecham-se num reduto que a voracidade calma do trigo não consegue romper.” Fernando Namora, O Trigo e o Joio.


2 - Quais os livros marcantes editados pela Assírio & Alvim?

O Medo, Al Berto, O Livro do Desassossego, Fernando Pessoa, Folhas de Erva, Walt Whitman, Morte a Credito, Céline, O Marinheiro que perdeu as graças do Mar ,Yukio Mishima, O Céu Que Nos Protege, Paul Bowles, A Campânula de vidro, Sylvia Plath, etc.

 
3 - Lidando diariamente com edições de livros e projectos afins, na sua opinião, para que serve um livro no século XXI?
 
Numa era cada vez mais electrónica o livro serve como objecto cultural, como farol a mostrar o caminho para uma leitura de qualidade. Todos nos sabemos que até o ipad mais básico é capaz de armazenar milhares de livros, logo as livrarias estariam condenadas a extinção, mas a minha experiência como livreiro diz-me que o livro não desaparece, o que desaparece são maus livros, livros sem conteúdo, muitas vezes mal escritos e com fraca capacidade de cativar um publico.
 
 
 

domingo, 3 de novembro de 2013

o leitor e os livros II



Pessoa personagens heterônimos


4 - Bernardo Soares diz, nO Livro do Desassossego, haver “metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher.” Qual personagem da literatura universal lhe vem à cabeça, ao ler essa afirmação do ajudante de guarda livros criado por Fernando Pessoa?

PC: No livro o Mentiroso, de Henry James, a personagem do coronel Capadose, o mentiroso, vive, respira e contamina a mulher, assim como os restantes. No final, não existe apenas um mentiroso, mas três, e cada qual encarna uma personagem. Sempre me pareceram reais, pessoas com quem poderíamos tomar um café, ou um chá no Pavilhão chinês.


5 – Sabendo que Bernardo Soares faz parte do seu cânone literário particular, com qual dos heterônimos de Pessoa você se sente mais identificado e por quê?

PC: Apesar de nascer no mesmo dia que o heterônimo Ricardo Reis, o meu preferido sempre foi o Álvaro de Campos. Na sua poesia, encontramos o tópico das viagens, quer sejam reais ou imaginarias, fala de mar, de aventuras, é sempre uma emoção ler um poema de Álvaro de Campos. A Ode Marítima é prova disso. A Poesia de Álvaro de Campos tem vida, movimento, um sal que não encontramos em Ricardo Reis nem em Caeiro. São poemas com genica, com força, parecem feitos de um só impulso.

 
6 – Poderia citar uma estrofe da Ode marítima que ratifica isso?

 PC: Toda a vida marítima! tudo na vida marítima!
Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina
E eu cismo indeterminadamente as viagens.
Ah, as linhas das costas distantes, achatadas pelo horizonte!
Ah, os cabos, as ilhas, as praias areentas!
As solidões marítimas, como certos momentos no Pacífico
Em que não sei por que sugestão aprendida na escola
Se sente pesar sobre os nervos o facto de que aquele é o maior dos oceanos
E o mundo e o sabor das coisas tornam-se um deserto dentro de nós!
A extensão mais humana, mais salpicada, do Atlântico!
O Índico, o mais misterioso dos oceanos todos!
O Mediterrâneo, doce, sem mistério nenhum, clássico, um mar pra bater
De encontro a esplanadas olhadas de jardins próximos por estátuas brancas!
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos,
Queria apertá-los ao peito, senti-los bem e morrer!
 
 
 

sábado, 2 de novembro de 2013

o leitor e os livros III



o cânone luso


7 – Pedro, quais são os nomes mais representativos da literatura portuguesa contemporânea, na prosa e na poesia?

PC: Na poesia, Herberto Hélder e Cesariny. Na prosa, Miguel Esteves Cardoso, António Lobo Antunes (mais as coisas iniciais, as finais estão a ser um pouco já forçadas), Lídia Jorge, Valter Hugo Mãe e Miguel Sousa Tavares.

 
8 – Apesar das idéias de multiplicidade e diferença, na cena literária contempoânea, você vê alguma coisa em comum entre estes autores citados?

PC: Eu nunca me apercebi de nenhum fio condutor, sempre fui guiado pelos meus gostos pessoais. A única coisa que os liga a todos é a qualidade da escrita, que marca, e não nos deixa indiferentes, mesmo com o passar dos anos.

 
9 – Quais autores e livros portugueses compõem o seu “cânone” literário particular?

PC: Almada Negreiros: Manifesto Anti-Dantas, Poemas e Nome de Guerra

Mário Cesariny: Noblilíssima Visão, Pena Capital, A cidade Queimada,

Teixeira de Pascoaes: Napoleão, Belo, À Minha Alma, Sempre e Terra Proibida, O Penitente (obra sobre Camilo Castelo Branco).

Camilo Castelo Branco: A queda de um Anjo

Antonio Lobo Antunes: Os Cus de Judas

António Gedeão: Movimento perpétuo

Ângelo Lima: Poesias Completas

Alves Redol: Os Avieiros, Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos.

Camilo Pessanha: Clepsydra

Fernando Assis Pacheco: Respiração Assistida, Memórias de Um Craque

Luiza Neto Jorge: Poesia

Ana Hatherly: O Pavão Negro

Al Berto: Apresentação da Noite, Diários, O Medo

Carlos de Oliveira (Nasceu no Brasil, mas aos dois anos de idade regressa a Lisboa, por isso é metade Brasileiro, metade Português): Casa Na Duna, Uma Abelha na Chuva.

 Alexandre O'Neill: Uma Coisa em Forma De Assim, Poesias Completas.

 Fernando Pessoa: Livro do Desassossego, O Banqueiro Anarquista, Quaresma.

Almeida Garrett: Viagens na Minha Terra

Eça de Queirós: A Relíquia, O mistério da Estrada de Sintra, O Primo Basílio.

Cesário Verde: O livro de Cesário Verde

Eugénio de Andrade: As mãos e os frutos

Jorge de Sena: Sinais de Fogo

José Rodrigues Migueis: Gente da Terceira Classe

 Herberto Helder: Oficio cantante, Servidões

 Urbano Tavares Rodrigues: Os Bastardos do Sol, A Vaga de Calor