e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 24 de janeiro de 2009

leituras leituras leituras


Antigos e Soltos.
Poemas e Prosas da Pasta Rosa, Ana Cristina Cesar.

25 anos após o salto da poeta, vem a público o livro rosa que registra os anos e os materiais “escolares” de sua aprendizagem estética. “Quadro”, “giz”, “redações”, "sinal de recreio", “primeiras versões”, “diagnóstico precoce”, “projeto para um romance de vulto”... O recorte vocabular de Ana registra os bastidores de sua construção textual. Organizado por Viviana Bosi, o volume de 475 páginas “narra” os andaimes e as vigas da arquite(x)tura da poeta que refazia pele com a mesma competência de quem reescreve, parodia.



Pedro Nava, um homem no limiar, Ana Chiara.

Ensaio que inventa coragens para falar de memória, morte, corpo e identidade. Tudo isso com base no universo memorialístico do escritor e médico mineiro que viveu na Rua da Glória no Rio, onde fica este chafariz da foto. Ana abre o bau e divide tudo com o leitor: ossos, balão, ferro, mar, galo, círio...




Um acontecimento na vida do pintor-viajante, César Aira.

“E recomeçar era a tarefa mais repetida do mundo.”
Essa frase do escritor argentino refere-se a Rugendas – pintor alemão de cenas brasileiras e hispano-americanas. Aira narra a viagem do pintor ao nosso continente no séc. XIX. Estetiza a sua temática predominantemente paisagística e de representação de cenas do cotidiano. Para falar de Rugendas, elege como personagem a paisagem. Barthes teria dito isso se lesse esse fantástico livro: "As árvores são alfabetos, diziam os gregos. Dentre todas as árvores-letras, a palmeira é a mais bela. Da escritura, profusa e distinta como o repuxo de suas palmas, ela possui o efeito maior: a inflexão".



Pequeno Manuel de Procedimentos, César Aira.

Desde a capa e o índice de temas exóticos, este é um livro ímpar que começa assim: “No princípio está a renúncia.” Isso mesmo: o escritor de Noites de Flores acha que devemos desenvolver uma porção Rimbaud, uma ética do abandono para poder “adentrar” o universo das letras. Lição de Aira: atuar é melhor que conhecer.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

leituras leituras leituras

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Seguindo a trilha das listas do final do ano e a sugestão de Di-Ana, selecionei os livros que gostei de ler em 2008. Não valem releituras como Quincas Borba (Machado), Serafim Ponte Grande (Oswald), Mensagem (Pessoa) ou Um dia, o trem (Fiorese), dentre outros. A ordem é quase aleatória, um pouco cronológica.



Crônicas da Província do Brasil, Manuel Bandeira.
Organizada por Júlio Castañon Guimarães, esta 2. ed. das crônicas do poeta é tão bela quanto o livro Crônicas Inéditas I também organizado por Castañon. Publicadas por Bandeira, entre 1920 e 1931, estas crônicas abordam o estilo moderno da vida brasileira nos anos 20, o cinema falado, o primeiro arranha-céu do Rio, os personagens pitorescos da cidade e as artes. Principalmente música e poesia.



Sábado, Ian McEwan.
Este romance estetiza a possibilidade de produzirmos arte após 11 de setembro. Como em Amor para sempre, o autor inglês tece conexões entre narrativa e metafísica, poesia e ciência, com traços e especificidades históricas e estéticas desses universos da criação e do saber. “É uma condição da época, essa compulsão para ver como anda o mundo e unir-se à maioria, a uma comunidade de angústia”, diz o texto luxuosamente traduzido pelo escritor Rubens Figueiredo.

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Os cus de Judas, António Lobo Antunes.
Narrativa feita dos estilhaços-imagens e nacos de falas da guerra em Angola, este livro oscila entre a dicção nobre herdada da literatura do século XIX e uma taxa de oralidade contemporânea que seduz o ouvido de quem lê com expressões tipo “percebe”, “sabe como é’, “escute”, “já reparou”... O leitor transita literalmente nos "cenários em ruínas" da guerra, sua deriva, seus desvios e deslocamentos. Letra bélica de busca.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Se algo deve ser louvado

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Se algo deve ser louvado é, muito provavelmente, a maneira
como o vento do oeste transforma-se no vento do leste
quando um galho gelado oscila para a esquerda, emitindo
o seu rangido de protesto, e a sua tosse voa através
das Grandes Planícies até atingir as florestas de Dakota.
Ao meio dia, levando ao ombro o rifle, atire no que pode
muito bem ser um coelho num campo de neve, de modo
que o projétil amplie a brecha que se abre entre a pena
que põe no papel esses claudicantes versos desajeitados
e a criatura que deixa as suas pegadas de verdade no branco.
Ocasionalmente, a cabeça combina a sua existência com a da mão,
não para catar mais versos, mas para fazer, em torno da orelha,
uma concha que capte o burburinho da sua voz comum,
como um novo Centauro.


Joseph Brodsky