e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 16 de junho de 2012

Ulisses deslocados




cada viagem, pequena ou grande, sempre é Odisséia

Italo Calvino, Por que ler os clássicos




“Os lugares a gente carrega, os lugares estão em nós”.

“Sou um homem do século XIX extraviado neste século”.

 Jorge Luís Borges in Dicionário de Borges, Carlos Stortini


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“O argentino tem a mania do exílio” 

Cesar Aira in Diálogos Oblíquos, Bella Josef



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“...tinha a alma cheia de barcos”

Graciliano Ramos, Angústia



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“Eu me considero um grego transviado nas ruas de Bizâncio”.

Euclides da Cunha in Revista de História, Alberto Venâncio Filho



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“Sou uma mulher do século XIX/ disfarçada em século XX”

 Ana C in Inéditos e Dispersos, Armando Freitas Filho (Org)



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   "As viagens em que acabamos chegando por partes: primeiro o corpo, depois a sombra."

     Adolfo Montejo Navas, Pedras Pensadas


 

quarta-feira, 13 de junho de 2012

João e Francisco


O cantor e compositor João Bosco é o artista homenageado do Prêmio da Música Brasileira 2012, e ganha do filho - o escritor Francisco Bosco - o primeiro neto. Por este duplo motivo de comemorações, publico no link abaixo um pequeno texto que escrevi sobre o cd "Malabaristas" de 2003, e que termina assim:

"João canta o afeto e o terror. Celebra o lamento e a fé, a falta de arrependimento e o peso do tempo, utilizando-se de todos os timbres e tons do seu vasto arquivo musical. Francisco não deixa por menos: neste terceiro trabalho em parceria com o pai, é visível o seu equilíbrio como malabarista da palavra."

http://arquivodeformas.blogspot.com.br/2009/12/malabaristas.html

sábado, 9 de junho de 2012

romance de novela


para Gilberto Gil - "Diadorim noite neon"
que completa 70 anos este mes e curte Carminha



I – Pedagogia dos afetos e traições



Ainda não vi ninguém lendo no núcleo zona sul de Avenida Brasil. Chama atenção o fato de ser Tufão, o craque suburbano, o leitor. Primeiro, Nina sugere para ele a leitura do escritor checo Fanz Kafka. Em sua prosa, o ser degradante que se perde de si sugere o roteiro de Tufão ao perder-se de Monalisa. Mas ele não saca o recado de Nina: ela deseja que, ao ler “A metamorfose” (1915), o craque perceba ser numa barata que Carminha o transforma, impedindo-o de ler o real a sua volta.



Machado de Assis surge, na novela, em dose dupla para “leitores de alma já formada”: “Memórias póstumas de Brás Cubas” (1881) e “Dom Casmurro” (1899). Os dois romances trazem para a narrativa a senha da traição de Carminha. Mas o jogador não se toca. Nina tempera cada vez mais o cardápio literário: manda ele ler de Gustavo Flaubert o livro “Madame Bovary” (1856) – romance que possui o adultério como tema. Nesta prosa onde um médico rural é traído pela esposa, o burguês é um vilão cujos instintos e emoções dão o tom da narrativa.



A educação sentimental de Tufão é lenta, mas sofisticada. A pedagogia dos afetos e das pequenas traições, aplicada por Nina, leciona alguns dos melhores romances da literatura moderna produzida no Brasil e no mundo. Não sei da formação de Nina nem o motivo do seu bom gosto literário. Mas sei uma senha irônica: saída do lixão, ela foi educada na Argentina – país onde leitura de livro é um hábito bem mais cotidiano do que por aqui.



II – Kafka, Machado, Flaubert e Rosa



Depois de ler Kafka, Machado e Flaubert, o craque lê o Guimarães Rosa de “Grande Sertão: vereda” (1956). “Diadorim é a minha neblina” – diz Riobaldo, o personagem que rememora numa prestação de contas infinitamente desfalcada, onde nenhum dos “itens” fecha. Sertão é “onde os pastos carecem de fechos”, sabe o jagunço. Os dados também não fecham na cabeça de Tufão. Travestida de defensora da moral e dos bons costumes, Carminha encarna uma Diadorim que não chove. Sua neblina adia. Engana-se bem quem nela se molha.



Será a próxima leitura de Tufão “A paixão segundo G H” ou outro título da Clarice? “Fragmentos de um discurso amoroso”, do Roland Barthes? Algum romance do Graciliano ou Camus? Sábato, Cortázar, Aira ou Piglia? Quem sabe, o próximo romance do craque seja acompanhado da leitura da própria Nina, cujo rango ele degusta e cuja identidade ele vem assoletrando em pequenos goles.


sábado, 2 de junho de 2012

Ana C (02/06/52 - 29/10/83)



    e hoje os sertões chamegam de
chamegos nos cometas lustrosos
        dos alcoólatras vadios,
                          mu!
 
 
para encontrar, sempre
     que possível, rabiscos,
literaturas, ânsias
      metafóricas e desconsoladas.
            Adeus?

              Foto: Aderaldo Luciano

Este poema não se encontra em nenhum dos nove livros da escritora carioca Ana Cristina Cesar que faria 60 anos hoje. Ele foi escrito pela autora na página de um dicionário de inglês, cuja cópia me foi cedida pela professora Maria Luisa Cesar, mãe da poeta, em 1996.


O poema começa com alusões ao tempo e ao espaço – “e hoje os sertões”. Há nele uma voz que elege o presente e a margem como espaço da escritura poética, da condição existencial. Uma voz que narra de olho nos “cometas” e que, feito a lema, deixa um rastro prateado quando passam.


Trilhando as veredas modernas que Euclides da Cunha e Guimarães Rosa abriram em nossas Letras, Ana Cristina dilata os limites da representação e do regionalismo. Com essa dilatação, ela estetiza uma terceira margem literária na qual a nostalgia e a indelicadeza jamais são imitadas.


Nesta margem narrada pela autora, vinga um texto no qual aflora uma subjetividade aflita, deslocada.  Subjetividade essa que caracteriza o “hoje” de quem rabisca, na tentativa de armar a tecnologia do fazer literário, de responder a pergunta do roteiro.