notas sobre o romance Claros sussuros de celestes ventos (2012), de Joel Rufino
Com cerca de trinta títulos de ficção
publicados, Joel Rufino é um dos principais escritores da antologia Literatura e Afrodescendência no Brasil,
organizada por Eduardo de Assis Duarte. Nesta antologia, Joel
é lido como um escritor que constrói “um inusitado diálogo entre ficção e
história.”
Este diálogo continua rentável. Claros sussurros de celestes ventos, quarto
romance do autor, é um livro urdido com experiência narrativa, literária e
histórica. Um romance repleto de descrições poéticas e referências ao universo
da poesia. Nele, o professor de Literatura Brasileira estetiza, dentre outros, a
vida e a escrita produzida por autores negros no contexto sócio-político do Brasil
no final do século XIX, criando intertextos com o que se lia e ouvia nos primeiros
anos da nossa república tropical: Schiller, Schuman, Casimiro de Abreu, Castro
Alves, Blake, Rimbaud...
O livro remete a um contexto estético
e cultural bastante afirmativo para as nossas Letras, como as origens do nosso Modernismo
e a fundação da ABL, dentre outros. Por isso, o texto de Joel pode ser lido como
uma espécie de memórias estéticas do Brasil no final do século XIX e inícios do
século XX – tempos nos quais as certezas absolutas produzidas pelo Positivismo
e seus lemas progressistas começavam a ruir.
O texto pode ser lido, também, como um
conjunto de micro narrativas biobibliográficas. Micro narrativas repletas de
figurações da vida cultural e dos problemas sociais concernentes àquele
contexto pós Império, como a escravidão, as desigualdades sociais e as
contradições políticas do regime republicano. Tempos nos quais “a república era
uma planta fraquinha.”
O romance constrói-se a partir de
memórias e relatos baseados na vida e na obra de autores negros que compõem o nosso
cânone literário até o início do século XX: Cruz e Souza, Lima Barreto, Raul
Pompéia, Machado de Assis, Mário de Andrade. Essa afirmação da escrita e da cor
em Claros sussurros..., remete ao
“dispositivo de luz” sugerido pelo próprio autor no capítulo “O fabricador de
diamantes”. Neste, o poeta Cruz e Souza, estetizado como João da Cruz, tenta
acalmar a sua amada Núbia, cujo “temperamento entorta muito para a África”.
Em sintonia com essa negritude,
acrescentamos, ao “dispositivo de luz”, a cor sugerida próprio texto, a fim de
ratificarmos o que parece ser um dos objetivos do autor: a criação de uma
escrita calcada na noção da diferença e que, em conexão com a história, inscreve
o universo subjetivo dos negros. A narrativa transforma-se num dispositivo de onde emana a
consciência da historicidade literária e da materialidade cultural da linguagem.
Esse dispositivo não funciona como regra ou artigo de lei, mas, como registra o
dicionário Aurélio, um “conjunto de meios dispostos para certo fim”.
Narrativa de perdas,
quedas e internações de personagens marginais mergulhados na experiência
histórica e cultural do seu tempo, Claros
sussurros... é um texto repleto de poesia. Como a poesia flagrada na
descrição de um palacete suburbano, assim: “mas o que lhe dava a graça, graça
selvagem, eram janelas de frente para o oceano, de onde nasciam, nas madrugadas
de ressaca, sargaços, pernas de bonecas irlandesas, botas desoladas.”
O autor domina os procedimentos
narrativos, produzindo uma linguagem de ritmo marcante
que ajuda muito na ação da leitura. Seus cortes e modos de pontuar podem ser
mensurados na precisão dos diálogos, e na forma como aproveita a abertura do romance como gênero permanentemente em mutação, acolhendo em
seu formato outros gêneros e outras formas estéticas, como as cartas, as lendas
urbanas e até panfletos anunciando curas, como lemos no belo capítulo “O
fabricador de diamantes”.
Tomara que esse diálogo entre ficção
e história renda ao autor outros romances.
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