NG: Gustavo, para que serve um professor no século XXI?
GB: Ele continua a ser um exemplo para os alunos, quer o
professor esteja consciente disso ou não. Pode ser um bom exemplo – alguém que
está sempre lendo, investigando, perguntando, duvidando, aprendendo – ou pode
ser um mau exemplo – alguém que não lê mais, que não tem mais dúvidas, que não
respeita o aluno como o outro que não sabe mas quer e precisa saber.
NG: No capítulo “A filosofia ajuda a literatura?”,
você faz uma bela leitura do "Grande Sertão" de Guimarães Rosa. Utilizando o recorte vocabular deste autor mineiro, você diz: “A palavra, como o Diabo, tem rabo.” O
que sugere essa conexão entre o verbal e o demoníaco?
GB: Aprendemos com a ficção que toda palavra, toda frase,
toda ideia tem uma sombra, um não dito que na verdade se diz junto com o dito,
mas subliminar e inconscientemente. Aprendemos também que todo discurso é
fundamentalmente ficcional, hipotético. Logo, precisamos sempre pensar o que se
diz na sombra das palavras. O mundo é um texto a ser interpretado com cuidado.
Cada pessoa também é um mundo, logo, cada pessoa também é um texto a ser
interpretado com cuidado.
NG: Como professor de uma das universidades que melhor
acolheu o sistema de cotas no país, você assume que era contra, mas que hoje
continua contra, embora seja a favor. Justifica que esse sistema compromete o
“princípio básico do mérito”. Gostaria
que comentasse acerca dessa questão.
GB: Os candidatos a uma vaga na universidade devem ser
julgados com a mesma medida, independentemente de classe social ou cor da pele.
Por isso no início achava que as cotas eram uma solução que escamoteava o
verdadeiro problema: a baixa qualidade da escola pública, associada à
desvalorização crescente do professor brasileiro. Este é o problema que deveria
e deve ser atacado. Entretanto, o resultado efetivo dos alunos cotistas na
UERJ, que não deixam nada a dever aos colegas não-cotistas, transformou uma
iniciativa populista e demagógica num problema político muito interessante.
Estes alunos seguram com garra essa oportunidade e dessa maneira forçam colegas
e sociedade a rever seus preconceitos sociais. A experiência das cotas acabou
escrevendo certo por linhas tortas, digamos assim.
NG: Quais dos seus livros você prefere e por quê?
GB: Bem,
publiquei 22 livros: 1 volume de poemas, 10 romances e 11 ensaios.
O romance de
que mais gosto é o último, "O gosto do apfelstrudel", talvez porque
seja o último e porque mergulhei minha vida nele. O romance conta tudo o que
passou pela cabeça do meu pai durante o mês em que esteve em coma, antes de
morrer. Como eu soube disso? Eu não soube, eu inventei – e assim, acabei
sabendo.
O ensaio de
que mais gosto é o que estou escrevendo agora; imagino que só consiga
terminá-lo no ano que vem. Chama-se “A ficção de Deus”. Nesse ensaio, procuro
mostrar a estreita relação entre literatura e religião, a partir do personagem
Deus e sob o ponto de vista de quem não crê, mas admira quem de fato acredita
em Deus.
5 comentários:
Muito bom, Nonato. Gostei muito das perguntas. Abçs.
Bom que vc gostou, Valéria, as respostas surpreendem, alumiam.
Abraço
Bacana. Autêntico,reflexivo, direto e ao mesmo tempo subjetivo.
Bem vindo, Marcelo, volte sempre.
muito bom gostei muito esses tipos de literatura ta muito em falta no pais hoje.
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