Para Mariana, Débora, Marcia e Gilcineia, leitoras do Lobo
Publicado por Lobo Antunes, em 1979, e detentor de vários prêmios, o
romance Os cus de Judas é uma narrativa feita dos estilhaços de vozes e restos
de imagens da guerra de Angola. Como médico e escritor, Antunes viveu nesta
guerra colonial portuguesa o medo e a perda, além da sua falta de
justificativa. Por isso, em seu romance “os homens
caem”, morrem feito peixes findando nos confins, nos cus de Judas.
O livro de Lobo Antunes é repleto de seres
famintos e aflitos. Personagens cujas existências parecem pautadas no ritmo da “aflição
de pedras que respiram”. As falas estilhaçadas e os nacos de imagens desta guerra africana
alimentam uma linguagem fragmentada de diferentes tons. Dela,
ecoa a dicção nobre - herdada da literatura do século XIX-, assim como uma boa
taxa de oralidade contemporânea. Essa oralidade é bastante sedutora para o
ouvido de quem lê expressões do tipo “percebe”, “sabe como é’, “escute”, “já
reparou”... A sedução lingüística é motivada pela diferença, e tem o outro como parâmetro. Ela parece, a sedução, típica
de um narrador que assume estar “a fim de se escutar a
si próprio nos ouvidos dos outros”.
Neste romance-testemunho, o leitor é bastante convocado. Ele transita
literalmente nos "cenários em ruínas" da guerra. Adentra suas derivas
sem luz. O leitor transita pelos desvios e deslocamentos de uma narrativa
atravessada – toda ela – por dois “ingredientes” explosivos: a poesia e
a violência. Antunes escreve uma narrativa bélica de busca. Nela, o amor e a guerra, o grotesco e o sublime, a memória e o testemunho ajudam a ler o que lateja na prosa do mundo.