Acaba de ser lançada, pela Editora da UFMG, "Literatura e Afro-descendência no Brasil: Antologia crítica". Trabalho de fôlego, reúne em quatro volumes, resultado de pesquisa liderada ao longo de mais de dez anos pelo Professor Eduardo de Assis Duarte , daquela Universidade. Fruto da colaboração de 61 pesquisadores de 21 universidades brasileiras e 06 estrangeiras, tendo contado com o apoio de órgãos de fomento , diferentes instituições e inúmeros cidadãos e estudantes da UFMG, a obra necessariamente conduz a novas formas de pensar a Literatura Brasileira.
Lançando foco sobre 100 escritores afro-descendentes, vindos de tempos e espaços diversos, através de ensaios e referências biográficas e bibliográficas sobre cada um deles, dos tempos coloniais até os dias de hoje , a coletânea procura organizar a ainda dispersa reflexão acadêmica atual sobre o tema, num percurso histórico que vai de clássicos (Machado de Assis, Lima Barreto, Cruz e Sousa) a contemporâneos (Nei Lopes, Paulo Lins, Ana Maria Gonçalves ), passando por nomes importantes ‘esquecidos’ (Maria Firmina dos Reis, José do Nascimento Moraes). A Antologia deixa claro que seu real objetivo é “mostrar que existe uma produção literária importante que caminha na contracorrente das normas ainda vigentes no circuito literário”. Buscando mapear e conceituar, a Antologia “inclui escritos daqueles que mesmo não assumindo explicitamente um projeto literário afro-brasileiro (termo e conceituação contemporâneos), apresentam traços discursivos que os situam, em muitos momentos, numa órbita de valores socioculturais distintos dos abraçados pelas elites brancas. E que, de uma forma ou de outra, expressam tais valores, transformando-os em linguagem literária”.
Nesse sentido a obra se insere em categoria relevante dos Estudos Literários na contemporaneidade – a do resgate. Resgate de obras que, nas palavras da autora afro-americana Alice Walker , “por instintos contrários”, ou por questões múltiplas de relações de poder e hegemonia acabaram, como tantas outras, ‘perdidas’ ou ‘esquecidas’, apesar de produção literária consistente e valorosa. Rotas que necessariamente avançam na contemporaneidade ao se discutir identidade e Literatura. Nessa ótica, o trabalho de pesquisa liderado pelo Professor Eduardo de Assis Duarte trilha caminhos próprios, porém, semelhantes àqueles que foram decisivos nos Estados Unidos, para o reconhecimento e a visibilidade da produção literária dos afro-descendentes, tal como o trabalho do renomado crítico afro-americano Henry Louis Gates, Jr., e seus estudos de arqueologia literária. Ligados a estudos pós-coloniais de Literatura, ao cruzar gênero e etnia, apresentou descobertas absolutamente impensáveis até anos atrás entre os autores literários, e que passaram, então, a embasar os currículos e redimensionaram os estudos da Literatura Estadunidense.
Assim, em época de revisões , quando as ações afirmativas estão em torno dos dez anos nas Universidades no Brasil, a “Antologia Crítica”, ao lançar um novo olhar sobre a Literatura Brasileira torna-se obra de referência e de encontro identitário para o amplo grupo de alunos afro-descendentes que ingressou na Universidade pelo sistema de cotas e que tem sido submetido a currículos fundamentalmente eurocêntricos. É obra que servirá como fonte de referência para aqueles que devem aplicar a Lei 10.639/2003 que estabelece que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileiras.”
Com metodologia rigorosa, liderança firme, metas claras e definidas, a obra constitui um marco, um ponto capital, e destaca-se no cenário da pesquisa propositiva em Letras em nosso país. Apresenta produto de trabalho sério e orgânico, organização, consistência e conteúdo crítico. Ao se impor o desafio de realizar pesquisa em todas as regiões do país (fato incomum na área, em geral voltada para aspectos pontuais) com vistas ao mapeamento (absolutamente inédito) e estudo da literatura produzida pelos afro-descendentes desde o período colonial, traz contribuição de peso para os estudos dessa literatura em nosso país, nos colocando, inclusive, em posição de destaque na Afro-América Latina.
Em brevíssimas linhas, um pouco da riqueza de cada um dos volumes. O Volume I – Precursores - parte do século XVIII e se dedica a 31 autores e autoras nascidos até 1930. Passando por clássicos como Machado de Assis, Lima Barreto e Cruz e Souza, chama a atenção também para escritores ‘esquecidos’ ou ‘pouco lembrados’ como o poeta do século XVIII, Domingos Caldas Barbosa, e os pioneiros de meados do século XIX, Luiz Gama e Maria Firmina dos Reis – autora de “Úrsula” (1859), o primeiro romance abolicionista do Brasil, cuja republicação em 2004, após mais de um século fora de circulação, vem contribuindo para a reescrita de nossa história literária. Chega ao século XX com Solano Trindade, Carolina Maria de Jesus e Abdias Nascimento, entre outros. O volume abre com denso ensaio introdutório - “Entre Orfeu e Exu, a Afrodescendência toma a palavra” - de autoria de seu Organizador, Eduardo de Assis Duarte , e nele são traçadas de forma assertiva os pressupostos da Antologia Crítica.
O Volume II – Consolidação – nos apresenta mais 30 autores e autoras nascidos nas décadas de 1930 e 1940, entre eles, os eminentes intelectuais afro-brasileiros, Joel Rufino dos Santos e Muniz Sodré, o poeta e romancista, Domício Proença Filho , membro da Academia Brasileira de Letras, e o compositor, escritor e pesquisador da cultura afro-brasileira Nei Lopes. Entre as mulheres, a poeta, contista, romancista e ensaísta, Conceição Evaristo. O título do volume marca época quando se consolida a existência de uma vertente afro na literatura brasileira.
O Volume III – Contemporaneidade – reúne 39 autores e autoras, nascidos na metade do século XX. Entre eles, o poeta e ficcionista Cuti; Marcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro, mantenedores da decisiva série “Cadernos Negros”, publicação ativa desde 1978; Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”; Ana Maria Gonçalves , autora do romance histórico “Um defeito de cor”, vencedor do prestigiado prêmio Casa de las Américas. E ainda, Miriam Alves, Lia Vieira e, na nova geração, Cristiane Sobral, Cidinha da Silva e Allan da Rosa, entre outros, com temática predominante urbana e voltada para as populações marginalizadas nos grandes centros brasileiros.
O Volume IV – História, teoria, polêmica – co-organizado com Maria Nazareth Soares Fonseca, encerra a presente série e abre novas perspectivas de avanços e formulações. Estruturado a partir de diferentes visões e impressões da sociedade brasileira e da literatura produzida por escritores afro-descendentes, reúne depoimentos de escritores e intelectuais negros, reflexões sobre a produção literária e sobre o próprio conceito de literatura afro-brasileira, refletindo a multiplicidade e a diversidade características da contemporaneidade. Os textos críticos problematizam a questão e são assinados, entre outros, por Octávio Ianni e Silviano Santiago.
A obra terá lançamento nacional, em pelo menos seis capitais do Brasil e um lançamento oficial no Rio de Janeiro, no Teatro Machado de Assis da Biblioteca Nacional, com a presença de autores incluídos na Antologia e uma homenagem a Abdias Nascimento. É o início da visibilidade do que até então não era visível ou conhecido, almejada ao longo de todo o texto por seu Organizador.
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2 comentários:
Interessei-me!
Abraço.
Esta coleção é a sua cara, Carolina. bj
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