Dentre várias outras coisas, o bom das férias é a liberdade para ler. Ler o que quiser. Ler sem a preocupação com os planos de aulas nem com as ementas dos cursos que roteirizam a vida do professor.
Nunca tinha ouvido falar de Buell Quain – o etnólogo americano que tinha fascínio por ilhas e viagens. Gostava de escrever cartas e adormecer embalado por histórias. Cientista suicida que bebia e fumava, fazendo do próprio corpo um laboratório. Um homem silencioso que carregava segredos e “arrastava alguém no seu rastro”.
Lendo “Nove noites”, o premiado romance do Bernardo Carvalho, descobri este viajante que viveu entre os índios krahô. Ele morou numa pensão da Lapa, no Rio, e suicidou-se aos 27 anos em Carolina – uma cidadezinha morta no interior de Goiás. Cheia de mistérios, sua morte envolve problemas com afeto, dinheiro e família. Não necessariamente nesta ordem.
Criado em torno de cartas, entrevistas, fotos e relatos, este belo romance é baseado em fatos reais, mas inscreve uma forma contemporânea repleta de “memória e imaginação”. O autor tematiza tempos modernos: o Brasil na era Vargas; os costumes e o desmatamento da selva; os roteiros de Rondon e dos irmãos Villa Boas; o encontro de Buell Quain com Lévi-Strauss, em Cuiabá; e até a queda das torres americanas no 11 de setembro...
Sem nenhum desejo de ser governado pelos mortos, o narrador de “Nove noites” ouve os vivos que é uma beleza. Com a fome de quem atravessa o sertão e necessita de um rosto real, ele sabe que “a realidade é o que se compartilha”.
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