3 – Dizendo que o pai se sentia mais
próximo dos escritores, pintores ou arquitetos, o filho Pierre Alfiéri, diz que
Derrida “tinha consciência de praticar cada vez mais a filosofia como artista”
(p. 494). Qual é a leitura que você faz dessa afirmação?
A relação de
Derrida com a filosofia foi sempre muito complexa. Apesar de ter feito sua
carreira como filósofo, ele próprio talvez se definisse mais como pensador. Lembro
o dia em que, num de nossos primeiros encontros como seu orientando, eu lhe
disse que sempre me interessaram os filósofos que, como Nietzsche, Rousseau e
Sartre, se interessaram profundamente pela literatura. Era óbvio que estava me
referindo a ele próprio também, ao que me respondeu: Você está falando de mim como se fosse filósofo... A desconstrução (ou as desconstruções, como
preferia dizer) é sem dúvida a desconstrução da metafísica ocidental e da
tradição filosófica.
Embora fosse
dotado de grande erudição filosófica, sobretudo no campo da fenomenologia,
interessava-lhe mais o pensamento do
que a história da filosofia por si mesma. E o pensamento é um acontecimento que
pode se dar em qualquer área, tendo, contudo, suas especificidades de acordo
com o discurso em que se produz. Diria que o pensamento é o que acontece no
intervalo entre os discursos: não pertence nem à filosofia, nem à literatura,
nem às ciências, nem à arte apenas. Não sei se Derrida se consideraria um
artista, pois decerto proporia também uma desconstrução do conceito romântico
de arte e de sua produção. Mas creio que concordaria com Pierre Alfiéri – cujo
sobrenome real é também Derrida, Alfiéri sendo um empréstimo da avó materna
para configurar sua persona de escritor – que a arte, muitas vezes, mas nem
sempre, está mais apta a acolher o pensamento do que o discurso filosófico
tradicional. Todavia, isso não significa desqualificar a filosofia, mas sim
apenas questionar o privilégio da atividade pensante que ela quase sempre
reivindicou, desde pelo menos Sócrates e Platão.
4 – O último capítulo da biografia
deixa clara a consciência que Derrida tinha, no texto e na vida, das relações
entre o corpo e a escrita. “Um corpo implicado no ato de ensinar...” Em quais
textos de Derrida o leitor pode encontrar essas relações entre corpo e
escritura, corpo e pedagogia, enfim, corpo e cultura?
Respondendo
de forma objetiva: sobretudo em Le
Toucher, Jean-Luc Nancy (“Tocá-lo ou o Tato, Jean-Luc Nancy”. Ed. Galilée,
2001), inédito em português. Trata-se de um belíssimo livro, em que Derrida aborda
a questão do corpo, indo muito além da perspectiva fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty,
por exemplo. O ponto de partida são os textos de seu fiel amigo, o grande
filósofo Jean-Luc Nancy, ainda muito pouco lido e traduzido no Brasil.
2 comentários:
Caramba, eu tava lendo um texto sobre desconstrução nesse instante. rs Tô muito interessada nisso.
Obrigada por postar essa lindeza!
Beijos e saudades!!!!
Mariana, é bom saber de vc interessada neste tema - rentável, atual - da desconstrução.
bj
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