Com o mesmo título acima, o texto a seguir foi escrito pelo poeta e tradutor Paulo Leminski. Publicado no Jornal Folha de São Paulo, em meados dos anos 80, este texto foi republicado em Ensaios e Anseios Crípticos (Unicamp, 2011).
A seguir, transcrevemos o referido texto respeitando a grafia, a pontuação e a forma utilizadas pelo autor do Catatau, no momento em que o seu livro Toda Poesia (Cia das Letras) se mantém, há 8 semanas, na lista de livros mais vendidos. Coisa rara, não só no Brasil, em se tratando de poemas.
A seguir, transcrevemos o referido texto respeitando a grafia, a pontuação e a forma utilizadas pelo autor do Catatau, no momento em que o seu livro Toda Poesia (Cia das Letras) se mantém, há 8 semanas, na lista de livros mais vendidos. Coisa rara, não só no Brasil, em se tratando de poemas.
“Um livro de literatura (seja lá o que isso queira significar) é a mais
singular das mercadorias.
Quando compra uma caixa de sabão-em-pó, você sabe que, no mínimo, aquele
produto vai deixar sua roupa mais branca, uns mais outros menos.
No caso do livro de literatura, a situação é bem diversa.
Ao comprar um romance, você quase não sabe nada sobre ele. Será
emocionante? Será tedioso? Quem sabe, um grande romance, mas para outras
pessoas que não eu.
Os riscos aumentam extraordinariamente quando você compra um livro de
poemas. Aí sim você está no mato sem cachorro.
No início do século, não, você pisava em terreno seguro.
Poesia era aquela caixinha de bombons chamada soneto, um pedaço bem
cortado de frases enfeitadas, que emitia sempre o mesmo plim. Como um canário
na gaiola ou uma caixinha de música.
No tempo de Bilac, você sabia o que comprava.
Nos anos 20, os modernistas de São Paulo, influenciados por doutrinas
alienígenas, dinamitaram a central elétrica. E, em lugar de agradar, passaram a
conjugar o verbo agredir.
De lá para cá, as coisas se tornaram nebulosas. A literatura era uma
certeza e uma tranqüilidade. O modernismo a transformou em problema. De agora
em diante, cada escritor tem que viver, em si mesmo, todo o processo da
literatura, de Homero até o best-seller de ontem à tarde. Os mapas se perderam.
As pistas foram apagadas. E as tábuas da lei voltaram a pó de onde vieram.
As ordens voltaram ao caos primordial. Não há mais normas. Cada um está condenado a ser seu próprio legislador.
E a confeccionar sua própria receita. Programar, sozinho, seu próprio
processo de criação. Ser o único responsável pelo “software” da sua produção.
Ao contrário do que dizem, a poesia concreta paulista, nos anos 60,
ampliou ainda mais o indeterminado dessa liberdade, sabe Deus se bênção ou
maldição.
Liberdade de escrever no plano e até no volume (e não mais apenas na linha). Liberdade de construir
novos vocabulários, novas grafias, novas sintaxes.
Não há outro jeito.
A crise virou substância.
Poesia viva, hoje, é a que já nasce perguntando:
-
Poesia, ah, poesia, que diabo isso
quer dizer?
(Por falar nisso, alguém aí quer comprar a minha crise?).”
5 comentários:
Também estou feliz com o meu volume do Leminski e, agora, mais ainda com este texto, que não conhecia. Vou compartilhar, ok?
Leminski compartilhado, Claudia, bj
belo texto de leminski, nonato. não conhecia. mas resume bem um a história poética.
Valéria, a forma "resumida" do poeta alumia. Lê Leminski.
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