e todo caminho deu no mar
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
o deserto da espera
Há um deserto no espaço moderno e no tempo presente. Um deserto habita cada um. Um nada que é tudo. É preciso cultivar esse nada? É produtivo “cultivar o deserto/ como um pomar às avessas”, Cabral? É o deserto uma metáfora da vida contemporânea? Como ler estes roteiros de superfícies e deslocamentos entre rimas e ruínas?
Absurdo é o deserto, disse J.K. Sua forma plana diz do sujeito moderno, em constantes deslocamentos, enfrentando o deserto e suas fronteiras. Fronteiras que também se deslocam. Deslocamentos que nos ensinam a “amar” o “deserto e seus temores” (Djavan, “Oceano”).
Ela leciona as figurações do deserto – os seus vazios, as suas faltas; suas senhas e superfícies. Sinais do deserto. O deserto e suas repetições. O deserto dos homens. O deserto - o cansaço da terra. Quem habita o deserto da espera esqueceu o principal: o nome. Dizer o nome é sinal de que aceitamos ser mortais e vulneráveis. Nesta travessia pelo deserto, saudemos essa espera anunciada. Enquanto seu nome não vem.
sábado, 18 de dezembro de 2010
rede
Dorival Caymmi tem um verso que, por incrível que pareça, pode ser entoado como epígrafe para o grande intertexto que é a internet: “era só jogar a rede e puxar/ a rede” (“Milagre”). Jogado na rede, conversa puxada, ganho amigos, navego...
Navego na superfície das águas e das curvas do MAC de Niterói. “A flor de concreto do Niemeyer”, de Antonio Cícero. O espelho das águas “apruma” o museu. O museu mergulhado na baía batiza. Regenera. O riacho esbarra sua pressa. Perto de muita água tudo é bom e feliz? Memórias de homens e águas misturados. Superfícies. Lâminas. Escolas das facas e pedras limando águas da seca e da fé.
A fala do sertanejo – essa “árvore pedrenta” plantada pelo “engenheiro” Cabral em solo seco. Quem viu o 11 de Setembro sabe que as idéias da profundidade e fundamentação deram no cultivo da queda e da dor como formas de “revelação” da verdade. Espelhos das águas. Superfícies da internet. “Era só jogar a rede...”
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Para um carioquinha disfarçado de americano
Fé na paisagem. A fala da paisagem é a voz do Rio. Seja em Santa Tereza, na Glória, no Cosme Velho ou nas Laranjeiras, vc ouviu a voz da cidade que foi capital do país por quase três séculos, e que possui Sebastião como padroeiro. Cidade que abastece de luminosidade e música o olhar de quem a fita, fazendo com que os pés vejam e os olhos ouçam.
Esta cidade te batiza num carnaval de ritmos e pede bis. Para vc entender o grau do lugar, dizem até que foram os Tupinambás - os índios da Guanabara - que inspiraram o Erasmo de Roterdam a escrever o seu Elogio da Loucura. Não acha tudo isso meio absurdo?
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
domingo, 12 de dezembro de 2010
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
viagem literária
enviei este e-mail para a turma como uma forma de agradecimento pelos maravilhosos seminários que tivemos. Aproveito para acrescentar aqui meus agradecimentos para o grande guia desta magnífica viagem: o senhor.
Viagem literária
Uma viagem com letras, teatro, cinema, música e muita emoção.
Com este roteiro em mãos, parti em busca de novos horizontes.
Iniciei esta viagem literária com Ana C., uma carioca cheia de graça e sem papas na língua.
De repente, durante os primeiros passos da viagem,
o inesperado aconteceu, amor à primeira vista,
um alemão alucinado - W. B. - que estará ao meu lado durante
muitos anos de minha vida, roubou meu coração.
Dancei um belo tango com Sabato, em Nova Iguaçu, pela manhã.
Nas terras de Kublai Khlan fiz uma pequena viagem pelas Cidades de Calvino, e pelo olhar de Marco Polo conheci e me rendi aos encantos de Zora, uma cidade tão visível a ponto de ensinar que viver requer movimento .
Retornei ao Rio de Janeiro, e no palácio do Catete senti amor e ódio por Getúlio. E como nunca conseguimos visitar todos os lugares interessantes durante uma viagem, não pude conhecer os procedimentos de César Aira. Mas redimi minha culpa ao descobrir com Camus que eu não preciso viajar ou ir tão longe para me sentir um estrangeiro.
Valéria Lourenço
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
goles de Godard
sábado, 27 de novembro de 2010
Alegria e fé servidas naquele palco
São raros os artistas que chegam à maturidade exibindo, em relação ao seu ofício, boa forma estética e vigor existencial. No Brasil destaca-se a cantora Maria Bethânia. Chama-se “Amor Festa Devoção” o seu novo DVD. Nele, ela canta as canções dos seus dois últimos CDs (“Tua” e “Encanteria”), além dos antigos clássicos que pontuam a maioria dos seus shows: “Rosa dos ventos”, “Explode Coração”, “O que é o que é”, “Reconvexo” ...
“Amor Festa Devoção” possui o pique e a cadência harmônica de antológicos shows como “Drama 3º Ato” (1971). Como acontece no belo “Brasileirinho” (2002), neste DVD de 2010 a direção e cenografia de Bia Lessa dão o tom imagético. Descalça como sempre, Bethania pisa firme e macio no tapete vermelho. Pisa macio nas pétalas. Macio ela fala e contempla a platéia. Mais doce está o seu canto. Suas palavras são degustadas numa dimensão exata, explorando nuanças e embaladas por gestos miúdos que dizem muito. Essa maciez vocal somada a esse gestual preciso gera sutilezas infindas.
De olhar doce e matreiro, Bethania já não corre tanto pelo palco. Ela move-se sutilmente no ritmo das canções, dialogando com sua banda de forma certeira, sob a regência do eterno Jaime Além. Num tempo no qual grandes nomes da MPB perderam parte da intensidade vocal e mesmo da postura elegante e vital que esbanjavam em cena, as aquisições afirmativas do canto de Bethania, aos 64 anos, é um sopro de vida em meio a tanto barulho e tantos corpos jovens correndo pelos palcos.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
sabor urbano
O que mais comove neste homem que adentra o ônibus vendendo biscoitos Wave, não é a perna que lhe falta. Comove-me a resignação expressa no material da sua voz. A forma como ele indaga ao único passageiro que o atende, acerca do sabor que lhe convém: “abacaxi, limão ou morango?” Uma certa elegância - no tom, na exatidão e no ritmo dessa pergunta - faz dele um homem.
domingo, 21 de novembro de 2010
Silêncio
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
ciclo canino
Para viver este ciclo canino, desenvolvo uma metodologia animal. Uso líquidos de uma mulher que me amou e fez do meu corpo obra de arte. Foi ela quem nomeou o canil que trago no peito. Antes dela, provei chás de uma moça que enxugava dorso de montanha em dia de chuva.
Agora, nutro-me de Clarice Lispector e seus animais. Clarice é bicho corajoso. Confessa que certa vez apaixonou-se, de cara, por Dilermando – um cachorro com cara de brasileiro encontrado numa rua da Itália. Resultado: pagou (isso: pagou) e levou o cão para casa. Rolou a partir daí uma narrativa de cheiros, comidas, abanos, gestos obscenos e, claro, beijos disfarçados. As visitas – coitadas – ficavam passadas.
Segundo Clarice, cachorro cheira as coisas para compreendê-las. Diz ela que eles não raciocinam muito, mas são guiados pelo amor dos outros e deles mesmos. Clarice é a autora brasileira que mais entende de bichos. Em sua obra eles constituem uma simbologia do ser. Por isso ela saca no cão um bicho misterioso que sente tudo, menos a noção do futuro.
Na sua escrita, cachorro tem fome de gente. Tem desejo. Aprendi com Clarice e TT que, às vezes, para abanar o humano é preciso contatar nos lábios o Cão que te deseja. Principalmente quando você e esse Cão usam os mesmos remédios.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Bella, 1925-2010
Transcrevo abaixo o texto da professora Viviane Lima (UFRRJ) anunciando a morte da professora Bella Josef (UFRJ). Fui, com alegria, seu aluno. Com Bella fiz leituras memoráveis de autores como Benjamin e Cortázar. Ela ensinou-se que o romancista preenche "os silêncios da história".
Prezados colegas,
Com muito pesar, comunicamos o falecimento da Profa. Bella Jozef. Presidente de honra da APEERJ e membro da diretoria em seis ocasiões, era professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de onde fora Catedrática. Autora de inúmeros livros e artigos sobre a Literatura Hispano-Americana e formadora de várias gerações de professores e pesquisadores, Bella Jozef deixa, sem dúvida, um grande legado na história do hispanismo brasileiro.
Entramos em contato com ela, nesta semana, para que pudesse ser entrevistada por alunos do Prof. Nonato Gurgel (UFRRJ - IM -DTL) e, com carinho, aceitou a proposta. A generosidade com que tratava o conhecimento sempre irá nos tocar.
O sepultamento ocorrerá no Cemitério Israelita do Caju, na próxima
sexta- feira, dia 12, às 11 horas.
Profa. Viviane C. Antunes Lima (UFRRJ/APEERJ)
Diretoria da APEERJ (2010-2012)
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
falou amizade
Quem também celebra com ênfase o sentimento da amizade é o poeta Paulo Leminski. Ele amava línguas e artes marciais, e utilizava nas suas relações amigáveis os mesmos elementos da sua atuação estética e disciplina marcial: magia, estratégia, tática e técnica. Chama-se “De homem para homem” o texto no qual o poeta tematiza a amizade. Esse texto encontra-se no livro póstumo Gozo Fabuloso. Nele Leminski narra de forma ágil e afetiva:
"de homem para homem quem trança os laços é a ação. Sobretudo, a ação por excelência, que é a guerra, o conflito real, matar ou morrer. ... o western é uma exaltação da amizade entre os homens, do afeto gerado na ação conjunta, na fraternidade do combate... "
domingo, 7 de novembro de 2010
Poesia contemporânea
Poeira, estrada, carros em alta velocidade, um homem fugindo e outro voltando para casa na hora errada. Uma mulher que nunca olha para trás, o mercado negro da memória e um telefone que insiste em não tocar. Isso, sem falar de Tony Bennett, “o maior cantor do mundo”, como reconhece certa voz amiga também presente no livro de Leonardo Gandolfi. Entre tiros e datas por esquecer, a suspeita é a mesma. De um lado, o trabalho arbitrário da poesia. De outro, o caráter decisivo do mistério.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Nas tetas de Ana
Eu não te escrevo
Eu te
Vivo
E viva nós
sábado, 30 de outubro de 2010
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
domingo, 24 de outubro de 2010
sábado, 23 de outubro de 2010
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
terça-feira, 19 de outubro de 2010
domingo, 17 de outubro de 2010
Debate na TV, eleições 2010
domingo, 10 de outubro de 2010
sábado, 9 de outubro de 2010
O Pássaro que comeu o sol
Não és estrela e sim sonho.
Não és sonho e sim fogo.
Bak Du-Jin, poeta e crítico moderno da Coreia
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Dois Pesos
Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.
Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.
domingo, 3 de outubro de 2010
Domingo I
A construção da vida, no momento, está muito mais no poder de fatos que de convicções. (Walter Benjamin, Rua de Mão Única)
Seguindo a trilha vital do WB, o poeta do presente, opto pela concretude dos fatos: com Lula, 31 milhões de pessoas entraram para a classe média e 24 milhões saíram da pobreza absoluta.
De acordo com o Ministério da Educação, foram inauguradas 141 Escolas Técnicas, foram construídos ou ampliados 86 campi, além de criadas 12 universidades (sem diplomas, Lula e Alencar superaram JK que havia criado 10 universidades).
Parece que durante 8 anos o PSDN não criou nenhuma universidade.
sábado, 2 de outubro de 2010
Domingo II
Voto PT de ponta a ponta.
O Brasil de hoje é outro, negros e pobres, agora na nova classe média, viajam de avião, não ficam apenas na limpeza e segurança dos aeroportos.
É preciso não fazer o jogo moralista da direita midiática. Segundo turno significa mais um mês de bombardeio fascista de difamações e acusações sem provas. As famiglias mafiosas donas da Veja, das Globos, do Estadão, Folha, Estado de Minas e congêneres querem fazer o presidente passando por cima do povo. Isso deu certo em outros momentos, levou Getúlio ao suicídio e à ditadura de 21 anos. Agora CHEGA!
Amanhã é o dia D! Dilma neles!
Eduardo de Assis Duarte
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
A Midia comercial em guerra contra Lula e Dilma
Leonardo Boff
Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa Internacional da Carta da Terra.
Sou profundamente a favor da liberdade de expressão em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso” pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.
Esta história de vida, me avalisa fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.
Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como “famiglia” mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e xulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discusão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.
...
Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.
...
Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles tem pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidente de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.
Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados de onde vem Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coroneis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.
...
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Caraúbas
Vem de Caraúbas duas frases que escrevi no caderno da amiga Teresa Jácome. As frases que ela me devolve não possuem nenhuma genialidade, reconheço. O que me faz gostar delas, após mais de 30 anos, é a possibilidade de ver como pareço com aquele "menino quase adulto", como me chama a pintora Teresa.
As duas frases: "O mundo é como um teatro; a cada cena ganhamos melhor experiência e nos firmamos no espetáculo da vida" e "Somos uma construção inacabada onde falta sempre algum material imaterial para nos construir". Agradeço a Ceição Miranda pela foto.
domingo, 26 de setembro de 2010
Tramando mar
porque não tem filho?
Trouxe-me o mar
e tudo o que nele há:
peixe pedra alga e algo
tecido na trama do tempo
Trouxe-me o lar
numa travessia corpórea
que me faz mergulhar
em costas terrestres
Trouxe-me o ar
de sua graça marítima
e o desejo mirante
de ser rio, onda
Natal, 1998
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Casa da Leitura em Laranjeiras
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Oswald Hotel
do pau brasil e deste hotel
cujo mármore claro refrata
o rosa neon da esplanada
Antigos funcionários chuvosos
apagam com bocegos a noite
e a mancha que o espelho tece
aos olhos passantes no hall
No ap, o sonho voa outra vez
das Letras de Ana, Caio, Eli
da prova dos nove do carpete
puído de onde brota o sol
São Paulo, 1998
domingo, 19 de setembro de 2010
Esaú e Jacó
de sua mudez, bebeu a luz
da manhã e narinas abriu
ao pasto aberto sob o sol.
Vexado de tanta luz, bradei:
Tabuadas da minha infância,
oi Cartilhas, dai-me o gosto
de cobrir feras e descobrir,
a título de novos ares e elos,
Lili e o Lobo entre Letras.
sábado, 18 de setembro de 2010
desagrura
continuava a ser de todos
os tempos, vãos e climas.
Ironia acesa nas retinas,
vira andorinha dispersa
num farfalhar de gestos
e pensou: agora um salto.
Do pé no chão brotou
um temperamento oposto
às ideias urtigas: glória
é amaciar agruras e arar
brotos de outra verdura
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Destino do Inacabado
São sempre verdíssimas
estas montanhas mineiras.
Folheio-me nelas ao som
de riachinhos que narram
sempre às mesmas margens.
Sem a pressa de quem
cedo nomeia, sem pose
e leitor da bula brutal
da paixão, cedo, ativo,
aos ritmos do meu tempo.
No silêncio do vale
escrevo versos às coisas.
Comigo acostumadas, elas
movem e ditam o destino
do inacabado: a criação
domingo, 12 de setembro de 2010
hoje não tem verbete
Ouvi o jazz da bela e suave Kent num palacete das Laranjeiras, sob árvores iluminadas da floresta tropical. Da sua poltrona sob o céu, a atriz Andrea Maciel dizia-me de prazos e caminhos citando Clarice: “perder-se também é caminho”.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Verbetes V
Benjaminiano: 1- sujeito que lê com simpatia o camponês para entender o narrador, e anuncia a morte da narrativa. Ao invés de olhos, ele possui um par de faróis; por isso alguns leitores conceituais piscam quando o encaram. Sua visão compõe um bélico Breviário do Século XX; sua linguagem produz uma vitalidade tátil que abre ruas no corpo urbano em estado crítico. 2 - Crítico que atua num filme que se passa aqui e agora, de olho nos fatos e postos de gasolina, sem nenhuma aura ou nostalgia artística. Esse filme anuncia a Modernidade em cartaz e tem o cinema, a cidade de Paris e Kafka, dentre outros, como personagens cujos discursos pedem passagens. 3- Anjo de olhos afetuosos e em paz consigo que não faz alarido quando perde a mulher ou a mãe. Desiste, mas não derrama.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Verbetes VI
Barthesiano: 1- sujeito que ouve o rumor da língua e diz fazer a preparação do romance, embora faça algo totalmente diferente, tipo hai-kai. Sua neg-ação engendra corte, desvio, ruptura, desritmia muscular. Sua linguagem produz uma visível vontade de potência em relação à leitura, deixando em estado de escritura o corpo laboratório. 2 - Sujeito que vive uma perene utopia literária e afetiva. Essa utopia é anunciada no recorte do seu cânone particular lido em pequenas epígrafes, e na grandeza da língua como objeto no qual o poder se inscreve, gerando um discurso que engendra a culpa. 3- sujeito que derrama; faz escarceú quando perde a mulher ou a mãe.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Salvo pelos livros
Conclui na Casa da Leitura de Larnajeiras, Rio de Janeiro, o curso Floração da Prosa no Sertão. O curso teve a participação de uma turma bastante heterogênea em termos de perfil profissional e de faixa etária, variando entre 19 e 60 anos.
Uma platéia talentosa é responsável por grande parte do espetáculo, diz a lição de Fernanda Montenegro. Creio ter sido a platéia a grande "personagem" do curso, junto ao seleto grupo de autores selecionados: Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
Segundo depoimento dos participantes, ficou do curso o gosto e o desejo pela leitura. Na entrevista que dei para o site do PROLER, fui indagado acerca do que a leitura acrescentou na minha vida. Respondi que a leitura não acrescentou. Ela fundamentou a minha existência como homem e cidadão. Sem a leitura, não haveria isso que as pessoas chamam “projeto de vida” ou “minha vida”. Fui salvo pelos livros. Autores e personagens foram os meus heróis desde a infância.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
monstro, cavalo, mancha
Situado na sombria tradição dos monstros, filiou-se depois à família dos equinos, tipo puro sangue. Abre fonte em tudo quanto é lugar que brota. Assume que escreve e lê não para saber quem é, mas para sacar a direção dos ventos, das brasas e brisas.
Durante a liturgia das manchas que fazem barulho, comporta-se como um príncipe que pacientemente espera. Seja no sótão ou quarto escuro, no inverno sente-se bem mais decente. Leitor de Borges, sabe que a felicidade não precisa ser transmutada em beleza; já a desventura...
domingo, 29 de agosto de 2010
Quintais
Assuntos musicais de Dona Cecília, nem pensar. Não quero mais ferir o olho na luz da montanha. Olhos e mãos para baixo que isso não é nenhum assalto.
A foto na parede da sala é mais viva que algumas pessoas presentes na reunião. Na verdura desta sala, o que querem da audiência os buritis da foto? Traço prédio. Folheio ângulos com jeito. De quem não se espanta vem o prazer do texto na casa grande.
sábado, 28 de agosto de 2010
Quintais para quem
Assuntos em dia, Dona Cecília, nem pensar. Não chame de bonde o dorso da montanha. Mãos para o alto naquele assalto. Lá embaixo a fonte escorria feliz. Como eram negros os meus verdes anos, meu deus.
Na verdura desta tarde, o que querem os buritis, Rosa? Não traço mais roteiros. Folheio sarna, manchinha. Com farinha e jeito. Para quem não se espanta, o seio da sereia na mão. Isso.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Quintais para quem conhece
A manhã sugere uma parada que Barthes não disse porque só leu Gilberto Freyre. Será que o homem do prazer do texto conhecia Drummond? "O amor chega tarde". Demora. Amor derrapa em curvas. Às vezes nem vem. Enquanto isso, o jeito é brincar de lobo, voar na esteira, comer a vovozinha. Ou seja: ser o verão o apogeu do inverno.
Negócio de cortar inteira, Dona Cecília, nem pensar com esses assuntos em dia. Já passou bem passado. Não chame de drama o que argumentei com fatos. Não. Conheço o dorso do tigre, a curva da montanha. Colhi laranja no pé. Mãos para o alto naquele assalto enquanto lá embaixo, no vale, a fonte escorria feliz como no tempo dos meus verdes anos, quem dera.
Sei muito bem o que querem de mim os buritis na tarde, Rosa. Não respondo mais aos questionários escolares nem traço roteiro para acampamento juvenil. Redações? nem pensar. Folheio sarna, manchinha, espremo espinhas, o escambal. Com farinha e jeito de quem não se espanta. Nem com o azul azul, nem com a mão no seio da sereia.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Sinatra do Sertão
Eu ouvi "Paixão de um homem", de Waldic Soriano, na rádio de Caicó, tarde de férias na Vazinha do tio Dezinho. Ouvi também algum bolero seu cantarolado na voz do meu pai, em Caraúbas. Vi a capa de um vinil do Waldick no balcão do Bar dos Paredões, em Mossoró. Lá o cheiro forte de homens, mulheres, piúbas e cervejas era ritmado por bregas tipo Evaldo Braga e Lindomar Castilho.
Ouvi Waldic (a Marron e tantos outros) com Tetê Bezerra pelos bares da Ribeira e Zona Norte, em Natal, onde "A carta" e "Eu não sou cachorro não" faziam parte da trilha. Ali a vida pulsava forte, na veia, e Dr Chiquinho – alegando que o mundo não era logo ali – pedia para eu segurar o coração. Ele tinha razão: o sertão é o mundo, viver é muito perigoso, como diz mestre Rosa, sertão é onde os pastos carecem de fecho. Mire e veja.
Tudo isso eu lembrei vendo Waldick Soriano: sempre no seu coração – o documentário de Patrícia Pillar, visto pelo homenageado pouco tempo antes de morrer em 2008. Nos depoimentos, o cantor baiano como alma de poeta romântico (é como poeta que ele se reconhece), revela como compôs a persona pública que o celebrizou. Ele criou um personagem ambíguo, contraditório, de charme único. Um homem extremamente viril (viveu com 14 mulheres - ta bom? - dignas de Almodóvar), que retirou dos heróis do cinema os gestos elegantes e a nobreza corporal que molduram o timbre singular da sua voz. Valeu, Patrícia, por estas memórias do Waldick.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Vila-Matas
domingo, 15 de agosto de 2010
sábado, 14 de agosto de 2010
Otimismo sorrateiro
Num tempo sem essência, privacidade, mistério, difícil é encontrar a palavra original ansiada por alguns. Difícil mesmo é habitar paisagens do silêncio após anos de alarido sob holofote. Quem foi mesmo que disse ser o crítico um leitor que rumina e que, portanto, deve ter mais de um estômago?
Ainda bem que existe um escritor espanhol chamado Enrique Vila-Matas que curte blog, e-mail e literatura. Diz ele: "Tudo permanece, mas muda, pois o de sempre se repete, perecível, no novo, que passa rapidíssimo."
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
esponja no caos, intensidade petrificada
Lendo "Memórias póstumas da escravidão", de Eduardo assis Duarte, descubro haver um conto – “Pai e mãe” – do Machado de Assis falando de afetos e abolição. O texto diz que, abolida, a escravidão levou consigo alguns ofícios e aparelhos. Eles deixaram de fazer sentido. Machado cita uma máscara, como exemplo de um objeto que perdeu o sentido de existir.
Símbolo da escravidão, essa máscara de “Pai e mãe” era feita de folha-de-flandres. Era usada pelos escravos para perder o vício da embriaguez. Era. A inexistência dessa mascara no cotidiano contemporâneo sugere que cargos e funções exercidos por pessoas também podem perder o sentido. Sugere mais: que não só os cargos ou funções mas, também, algumas pessoas podem deixar de fazer sentido.
Cada coisa, função ou ser tem a sua hora de fazer sentido ou sumir. Seja uma máscara ou uma pedra. A máscara do bruxo de olhos oblíquos, no século XIX; ou a pedra no meio do caminho, em pleno século XX, lida por um gauche cujas retinas fatigadas flagram acontecimentos pétreos. Por isso esse título. Recortado de uma poética eterna, cansada de tamanha abolição.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Eterno abandono
Eterno
E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.
...
... que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma
esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.
Carlos Drummond de Andrade
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Alguns inícios são assim
Antes de iniciar este livro, imaginei
construí-lo pela divisão do trabalho.
Algum tempo hesitei se devia abrir
estas memórias pelo princípio.
Esta história começa numa noite
de março tão escura...
O céu tão azul lá fora,
e aquele mal-estar aqui dentro.
Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto;
Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai...
O mal foi ter eu medido o meu
avanço sobre o cabresto.
João está na minha frente. Pálido.
Pergunta se não quero fazer
café. Nonada. Tiros que o senhor
ouviu ergo sum, aliás, Ego
sum Renatus Cartesius,
cá perdido.
Verdes mares bravios de minha
terra natal. Trilha sonora
ao fundo: a entrada do sertão.
Ana C., Caio F, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, José de Alencar, João Gilberto Noll, Machado de Assis, Oswald de Andrade, Paulo Leminski, Raduan Nassar e Raul Pompéia.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
sábado, 7 de agosto de 2010
só me conheço como sinfonia
alma não tem cor
.
até quando o corpo pede
um pouco mais de alma
isso pra mim é viver
.
nem sempre sereno
.
calminha alma minha
.
minha alma canta
Chico C, Lenine, Djavan, Abel S, Zeca B, Tom J
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Sertão I
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
domingo, 1 de agosto de 2010
Sertão de Serra Talhada III
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Floração da prosa no Sertão
sábado, 24 de julho de 2010
hj no JB
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/07/23/e230719542.asp
domingo, 18 de julho de 2010
lá fora Deus nas acácias e laranjeiras
quarta-feira, 14 de julho de 2010
A floração da prosa no Sertão
Inicia no dia 27 de julho o curso que vou ministrar na Casa da Leitura - PROLER, Laranjeiras, Rio. O curso possui a prosa moderna produzida no século XX como objeto de leitura.
sábado, 10 de julho de 2010
3 goles de Rûmî
se ela não for generosa?
&
E a cada sonho, a alma
abeira-se da Forma.
&
Já não tenho mais sede,
o rio me procura.
Trad. Marco Lucchesi
domingo, 6 de junho de 2010
Ca-fé
Sol na padaria. Desfruto do pequeno luxo que é tomar café no balcão, mudo ou dialogando, com ou sem açúcar. Começo encarando a caixa de sotaque nordestino, de quem fico amiguinho de infância, fácil fácil...
Escolher o local do balcão – espaço é poder – define quem terei ao lado. A degustação do café e do pãozinho na chapa tem muito a ver com o local no qual eles - o café, o suco, o pão - serão devorados com renovado desejo matinal.
Da caixa já sei naturalidade e estado civil. Acertei ao sentar no local próximo à pia (há um espaço vazio ao lado). E agora o principal: serei servido pela moça grávida, curva cheia de pulsações ou pelo homem reto que narra a história da pele?
terça-feira, 1 de junho de 2010
Animais em decomposição
Cavalos paridos dos mesmos mitos e máscaras. Guiados, há séculos, por estórias, signos e cifras de ritmos urbanos no calor da hora. Os corpos, no fim das contas, ditam roteiros e cobram prazos que é uma beleza. Eles dizem mais que sabemos. A linguagem já não se transforma num Deus que salva ou adia. Ela pede.
Memórias daqueles tripulantes que serviam à mesa. Ao fim do jantar, descobria-se que o capitão da nave, às vezes, não era tão heróico assim. Havia cavalos em decomposição nas suas vestes. Nos seus olhos, uma estrada escura onde autos guiam na trilha do sonho.
Dizer que é culpa das mulheres, do velho do Restelo ou dá escola já não diz. Fundaram o país do batismo a esta altura. Azul azul que não encanta. Canta: como uma sereia em cujo seio mapeio a canção do coice que, no monte, abre uma fonte.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Tarefa repetida
“E recomeçar era a tarefa mais repetida do mundo”, diz Cesar Aira. Só quem possui a sabedoria dos túmulos e amantes sabe que eles – túmulos e amantes – recomeçam sempre. Eles não são mudos nem estáticos, os túmulos e amantes. Os tempos e as letras ensinam isso. Neles, o discernimento pessoal apalapa, a cada estação, a face onde viça a eterna flor da fala.
terça-feira, 18 de maio de 2010
" na vértebra dobrada"
Bach",
escreveu Damásio, o da
cabeça, num livro quase que de
prosa pessoana (aquele da Vênus e do
Newton abraçados).
...
uma carceragem a quatro vozes.
Luis Maffei, A
segunda-feira, 17 de maio de 2010
sábado, 15 de maio de 2010
terça-feira, 4 de maio de 2010
Jesus é punk II
Paulo Leminski, "Jesus"
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Jesus é punk III
sepulcros pintados, lindos por fora, por dentro
cheios de ossos de mortos
e podridão!
Paulo Leminski, Jesus
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Jesus é punk IV
Mateus, 5:29
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Jesus é punk V
Mateus, 25:29
quarta-feira, 7 de abril de 2010
Jesus é punk VI
Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, me aborreceu a mim.
João, 15:18
sábado, 27 de março de 2010
Renato 50
Leitor de Drummond, Pessoa, W H Auden, Shakespeare, Adélia Prado e admirador de textos como o Tao Te King, Zen e a arte de manutenção de motocicletas e O discurso da servidão voluntária, o autor de “Acrilic on Canvas” escreveu versos como os seguintes que o inscrevem definitivamente na poética de sua geração:
...
A armação fiz com madeira
Da janela do seu quarto.
Do portão da sua casa
Fiz paleta e cavalete
E com lágrimas que não brincaram com você
Destilei óleo de linhaça
E da sua cama arranquei pedaços
Que talhei em estiletes
De tamanhos diferentes
E te fiz então,
Pincéis com seus cabelos.
Fiz carvão do batom que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei no horizonte.
O horizonte poético de Renato Russo é visivelmente “rabiscado” por uma musicalidade que elege o tempo como elemento determinante de sua criação. "Porque o tempo é mercúrio - cromo/ E tempo é tudo que somos" (“La nuova gioventu”).
Gostaria que fosse sobre ciclos, a perda da inocência, você atingir um certo estado em que perdeu alguma coisa e, ou vai para o lado deles, ou retrabalha e reconquista isso. ....Mas seria basicamente isso: primavera, verão, chega o outono e caem todas as folhas. E no inverno fica a árvore toda daquele jeito. É como se a gente estivesse chegando no inverno. Mas aí vem vindo a primavera de novo. Quer dizer, você pode escolher ter uma nova primavera. A maior parte das pessoas que eu conheço fica no inverno, e eu acho ser esse o maior problema delas. ...o mais importante é a gente redescobrir as coisas...
mais Renato aqui ou quando Non nato foi Re nato
http://arquivodeformas.blogspot.com/2009/11/renato-e-cazuza.html
sexta-feira, 26 de março de 2010
Cada contexto quer dizer a sua fala
Recebo de um amigo um e-mail que recorta o olhar da ensaísta Beatriz Resende sobre a nova geração de escritores do século XXI. Diz a crítica: "No amor eles são muito defensivos, fechados, não querem se jogar. Não têm uma ideologia, mas reagem de um modo ou de outro de maneira política".
Presto muita atenção nas reações desses jovens. Mesmo sem ideologias, suas reações “políticas” e existenciais fazem pensar. Presto atenção não só nos jovens autores, mas nos jovens alunos, nos jovens em geral. Com elementos novos, possuem outras formas de ler o mundo.
A atuação deles no mercado de trabalho, por exemplo, é marcadamente incisiva. Poucos ou quase nenhum questionamento ético os regem. Eles agem. Nenhum pudor em fazer parte do “sistema”. Para o bem ou para o mal, a maioria desses jovens possui um “projeto” e age em função dele.
Fim da universalidade, das dualidades e ideologias
Quem viveu o final da década de 80, lembra de Cazuza urrando e pedindo uma ideologia para viver. Era comovente. Ali já não havia ideologia nenhuma. Com a queda do muro de Berlim, quebravam-se também as dualidades que nos delimitavam social e ideologicamente.
Fim das dualidades e ideologia. A diferença é que poucos reclamam ou pedem uma para viver. Num universo globalizado onde diferentes povos inscrevem suas múltiplas culturas e leituras éticas, a noção de universalidade – que serviu de base para o projeto moderno – não dá conta da singularidade de cada contexto.
Agora cada contexto quer dizer a sua fala. Comunidades são ouvidas. Nelas, os jovens não precisam que falem ou decidam por eles, como acontecia na ditadura militar. Por isso muita gente boa que pensava, falava e fazia arte em nome dos outros, precisa ora repensar a sua função política, estética e social.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Atento ao contexto
Tem blogero saudando a primavera em pleno outono.
Trata-se de licença poética ou dilema afetivo? Paródia do Gil em “ser o verão o apogeu da primavera”?
segunda-feira, 22 de março de 2010
Raízes da vida e do Brasil
O homem que engarrafava nuvens é mais um belo filme de Lírio Ferreira. O “homem” do título é o compositor Humberto Teixeira – o doutor do baião. Gosto de ouvir, neste filme, o diálogo da minha vida com as raízes do Brasil. O ritmo dos cegos nordestinos, suas vozes visionárias. O canto firme de Luiz Gonzaga. Boiadeiro cantando alegre as coisas belas e tristes da terra. Chico Buarque rezando “Kalu” à capela.
O documentário reflete a luz cortante e o pé de serra ritmado do Nordeste. Encara os frutos das sombras e da aspereza dos cascalhos. Flagra do baião a pujança, o toque cosmopolita. Parte da Bossa. Baião vi(b)ra trilha sonora do Brasil no mundo. Dança crua de uma gente que é torre de usina e casa de farinha. Num dos momentos epifânicos, Otto diz que Humberto é a pólvora; e o canhão, Gonzaga. Em seguida, a tela explode (vide vídeo).
Lírio e a bela atriz Denise Dumont – filha de Humberto – traçam roteiros narrativos cheios de música. Apóiam-se em coisas miúdas cotidianas – nuvens, paixões – ampliadas pelas lentes da história e da emoção. Quando um cineasta consegue ajustar sua câmera nestes dois focos – os fatos e a subjetividade em torno deles – certamente acerta. Por isso a platéia aplaude no final. Coisa que não ouvi na sessão do Avatar.
domingo, 21 de março de 2010
Um poema por dia
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Leia um poema por dia é uma mostra multimídia em homenagem ao poeta João Cabral. Com textos originais e inéditos, a mostra do CCJE, Rio, tem curadoria de Inez Cabral. O título remete a um dos últimos textos do autor. Foi escrito para um “possível” livro, diz a filha do poeta que leu a elegância dos pregos e o deserto como um pomar às avessas.
Nas fotos, um Cabral cúmplice, sedutor. Nenhum semblante de dúvida ou carranca. Nada das imagens tensas do fim. É bom re-ouvir o poeta lendo os seus poemas, claro. Fico pensando se a cenografia e a forma como o espaço foram projetados dialogam bem com Cabral e a arquitetura da sua poesia. Uma poesia materialmente composta com base na noção espacial.
Marcante é o catálogo da mostra, cuja Introdução do poeta Armando Freitas Filho termina assim: “... era despenteado pro dentro. Por isso mesmo amou, nunca de maneira resignada, mas com fúria, Drummond até o fim.”
sexta-feira, 19 de março de 2010
"O outono ...viver o esplendor em si"
As chuvas de verão estão chegando ao fim. O verão acaba. Ao contrário do que canta Chico Buarque em “De todas as maneiras”, meu coração só desanda a bater quando entra o outono. Quando vão o verão e seu desassossego, coração bate que é uma beleza.
A estação da colheita inicia neste domingo, 21 de março, e vai até 21 de junho. No outono os dias são mais curtos e frescos. Árvores amadurecem. Saboreiam-se os frutos. A paisagem carioca fala. Cobre-se de folhas de tamanhos e cores variados. E o aterro do Flamengo, meu Deus, é o poema concreto da Lota Soares, parceira da poeta Elisabeth Bishop: "Aqui há um excesso de cascatas..."
No outono as temperaturas caem; a percepção amplia. Preços sobem menos, estabilizam-se. A maioria dos turistas vai embora; amigos estão para chegar (oi Tetê). Na cidade leve, uma brisa sublinha o espaço e dá ritmo ao tempo. Outono no coração e no pé. Já é.
quarta-feira, 17 de março de 2010
Letras e máquinas na pele
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.
Oswald de Andrade, “Manifesto Antropofágico”
Em parte a gente é arte/ em outra parte, técnica
Antonio Cicero e Marina Lima, “Acende o Crepúsculo”
Sabemos que, desde Aristóteles e sua Poética, arte e técnica têm tudo a ver. Sabemos também que, desde o final do século XIX, a linguagem – principalmente a linguagem literária - começou a ganhar um novo impacto a partir do desenvolvimento tecnológico. Isso foi intensificado durante todo o século XX com a instauração do que chamamos de Modernidade: uma estética que possui no ceticismo e no deslocamento duas de suas principais “senhas”.
A criação de objetos e máquinas como a lâmpada elétrica, o automóvel, o cinematógrafo, o vídeo, a TV e a máquina de escrever transformaram radicalmente os cenários e costumes da vida urbana. Nas cidades, as ações cotidianas – mediadas principalmente pela técnica - passaram a ser mais imediatas, o que de certa forma interferiu no ritmo da produção da escrita e na recepção das artes e culturas.
Também o aparecimento da imprensa diária contribuiu para a mudança de hábitos. Formou um novo tipo de leitor. Um leitor com um outro ritmo de leitura. Desde então, a literatura passou a ter uma forma mais apressada de recepção; e gêneros como o romance, por exemplo, sofreu influência do jornal. A literatura começava a perder a sua aura.
Uma nova sensibilidade no ar
Difícil não perceber que a entrada de tanta tecnologia em cena contribuiu para a mudança de percepção do sujeito. E a lição do crítico e pensador Walter Benjamin nos ensina que quando muda essa percepção, transformam-se os modos de existência da coletividade e os seus meios de produzir arte e cultura. Cria-se, com essa transformação perceptiva, uma re-leitura do contexto.
Voltemos às novas sensibilidades que sedimentam as identidades modernas. Somos testemunhas de que vários fatos contribuíram para a produção de outras linguagens, além das mutações e alterações nos ritmos e tons do texto literário. Dentre esses fatos e mutações mencionamos:
Nada disso eu soube dizer quando defendi a “letra” contemporânea na Universidade. "Letra" essa sintomaticamente inscrita num Departamento de Tecnologias e Linguagens. Tudo a ver. Uma “letra” do meu tempo. Escrita com as tintas e as trevas do presente. Conteúdos mais voltados para os roteiros das novas tecnologias que se inscrevem, de forma irreversível, em nosso contexto histórico, estético e cultural. Isso porque muito me inquieta a distância que separa a subjetividade maquínica que aciona atualmente o nosso cotidiano, e o quadro de giz do século VXIII com o qual buscamos inscrever o universo de quem nos assiste.
Essa “letra” contemporânea faz-me pensar na palestra que o crítico George Yudice proferiu na UFRJ em 2009. O autor de A conveniência da cultura: usos da cultura na era global iniciou a sua comunicação ressaltando a importância dos professores e pesquisadores atentarmos para o universo dos jovens. Segundo ele, os jovens alunos devem ser inseridos "libidinosamente". Essa inserção tema ver com o fato de que, na sua opinião, "as mudanças culturais não estão relacionadas apenas com a cultura". Essas mudanças têm a ver com a escola e com as políticas educacionais, pois no atual contexto a cultura é lida como "prática material", e não apenas como uma abstração, um bem simbólico.
Professores gostam?
Segundo Yudice, a maioria dos professores não conhecem (ou não se interessam) pelas práticas culturais dos jovens contemporâneos: video-games, yotube, blogs, chats, MP-3, músicas no pc... Para ele, esse desconhecimento dificulta a interação entre mestres e alunos. Inseridos na atual "cultura do acesso", esses jovens sentem-se desinteressados pelo modelo proposto pela escola.
Atentando para a importância dos suportes materiais e dos produtos midiáticos da cultura, o ensaísta ressalta "os lugares de socialização da internet". Para tecer relações com o atual contexto digital e midiático, onde novas tecnologias proporcionam o surgimento de outras sensibilidades, o crítico americano resgata a leitura que Walter Benjamin faz do flaneur e do seu trânsito no espaço urbano no século XX.
Segundo ele, a expressão dessas sensibilidades exige outros modos de percepção, outros meios de interação; assim como as formas perceptivas que o pensador alemão conseguiu captar nas primeiras décadas do século XX, principalmente através do cinema e da arquitetura. Principalmente através das Passagens de Paris, suas modas e mercadorias, e da poesia de Baudelaire.
domingo, 14 de março de 2010
14 de Março – dia da poesia
Sempre gostei do dia da poesia. Desde que comecei a transitar pelo mundo virtual, assinalo de forma mais incisiva esta data que celebra a arte poética. Arte essa que, desde Homero e Aristóteles, vem nutrindo e renovando a percepção e as linguagens humanas.
Desde a infância, a poesia me nutriu. Lembro de férias na fazenda São José onde deparei com os primeiros livros e leituras. Manuel Bandeira é o primeiro poeta que li. Fico feliz de ter começado pela palavra repleta de ritmos e tons cotidianos: “Vi uma estrela luzindo/ Na minha vida vazia”.
A estrela da poesia vem luzindo desde então. Por isso todo ano seleciono alguns versos para esta celebração do dia da poesia. Hoje homenageio cinco mulheres: Monica Waldvogel, Betty Lago, Márcia Tiburi, Maitê Proença e Lucia Guimarães. Elas escrevem um poema semanal. No programa Saia Justa, transmitem humor, ironia, fazem associações, criam os ritmos e tons que um bom poema contém.
Este quinteto consegue uma coisa rara nesta selva previsível que é a mídia eletrônica: surpreender e criar linguagem. Coisas que um bom poema também faz. Para elas, repito versos de Whitman:
... mulheres:
é de vocês o privilégio de conterem
os outros e darem saída aos outros
- vocês são os portões do corpo
e são os portões da alma.
quinta-feira, 11 de março de 2010
A cidade branca
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Reencontro a cidade branca
Há torres na cidade branca – o coração do reino. Nela reencontro seres dos quais brotam outros gestos e linguagens. Gestos inusitados e arcaicos tipo espalhar cinzas para chamar chuvas, como faziam os Maias. Linguagens na linha do “bonito” no tom testosterona. Asas da fênix refeitas em fogo renascente.
Habito a cidade branca
Recortes barrocos conformam a cidade branca. Desse habitat afloram tons e timbres em fluência dialógica e sangrenta. Vinde a mim ruínas da morte e prados verdejantes. Quem nasce no Oeste perfurado de balas e vozes por dizer, reconhece: tua espada de bainha decorada é o meu nome. Espada que desenha no ar afetos em estado bruto.
Eu sou a cidade branca
A cidade branca é movente. Aqui onde o corpo pulsa forte, ratifico os “gloriosos traumatismos dos varões” e a projeção de suas cicatrizes. Com o senhor, descubro os anéis e a cintilância humana que emana dos demais objetos e formas. Leio gradações existenciais. Tarde descubro, cidade na veia, ser um homem do meu tempo.