Para Guilherme Borges, Isadora Pessoa, Patrícia e Mariza
no coração do país
Localizada
no centro de Portugal, Coimbra possui a mais antiga universidade do país. Fundada por D Dinis - "o plantador de naus a haver" (Pessoa), ela data
do século XII. Nela estudaram escritores fundamentais da literatura
portuguesa, como Almeida Garret e Eça de Queiroz, dentre outros. Como na canção
eternizada pela cantora Amália Rodrigues, no Olympia, "Coimbra é uma
lição".
Por
suas tradições culturais e pela suntuosidade do seu passado histórico (aqui
nasceram vários reis lusos), a cidade estará sempre a lecionar aos seus
transeuntes. A lição é dada na rua, ao vivo, frente aos arcos, claustros e monumentos
que os turistas devoram, através de lentes que parecem para sempre famintas.
Mas,
se a lição entoada por Amália, na antiga canção, era feita "de sonho e
tradição", a lição de hoje, esta que está nas ruas, possui bem curta a sua
porção onírica. Não há lágrima pela fragmentação existencial, como nos tempos
de Garret, nem sonhos pichados nas paredes de hoje. O tempo urge nas mentes
jovens que habitam a cidade antiga, de hábitos e ritmos lentos, onde os templos
do Mc Donalds convivem, sem atrito, com igrejas seculares.
anjos bezerros
Nenhuma
utopia inscreve-se nos muros brancos desta cidade linda. Mesmo assim, sua aura de sabedoria
e liberdade seduz mais de 30 mil estudantes do mundo inteiro. Eles reinam nas
ruas. Pro-movem uma espécie de carnaval negro, chamado Latada, onde álcool, corpo, alegria e melancolia dão o tom. Com suas ostentosas trajes pretas, eles voam feito anjos negros. Parecem sempre em
busca.
A dimensão desse
vôo, dessa incessante busca juvenil e da falta de utopia podem ser lidos nas linguagens das ruas. Como neste
grafite a carvão, escrito num muro branco, próximo a universidade:
"parecem bezerros a gritar, animais". Outro grafite parece traduzir a
crise, e o grito ancestral que emana deste grafite anterior: "somos filhos
do Euro = Nada".
"é naquele trem que eu vou também"
Atento
aos grafites escritos nos espaços históricos e mais asseados da
cidade, fui surpreendido por uma espécie de grafite oral, ao vivo, na estação Coimbra B: "Comboios, ao contrário dos passageiros, dificilmente saem dos trilhos". A frase foi dita por uma transeunte para o senhor ao seu lado, cuja mala parecia pesar-lhe além das suas forças.
Ouvi este grafite oral como uma pequena epifania, para lembrar Caio F, o escritor brasileiro que é objeto de pesquisa acadêmica de Isadora P - estudante da UFRRJ e de Coimbra. Além de Caio F, nascido em 1948, ela selecionou um poeta que nasceu neste mesmo ano em Coimbra: Al Berto.
Mas voltemos àquela jovem senhora de pssagem: ao pronunciar o grafite epifânico, ela não sabia que algo
mudaria o roteiro de nossas viagens, e a noção de pontualidade tão cara aos europeus: o trem que ali esperávamos, atrasaria cerca de 40
minutos. Coimbra é, para sempre, uma inesquecível lição do tempo.