e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Seis lições para o próximo ano - 6

.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.

Seis lições para o próximo ano - 5

.



Com a persistência de quem esculpe madeira e marca café como pré-texto, bebe na fronte onde frui suor poesia e afeto. No milagre da repartição, a garçonete engole farelos e fonemas úmidos. Alia-se.

Quem vem dribla a esclerose burocrática e virtual do dia. Confere in loco nada será como dantes e aquela parte do inferno. Atravessa o éden. Entorna o rio que trago no bolso direito e não se molha. Nada de bobeira. Jamais afoga-se quem vem.

Mergulho outra vez nas curvas. Da baía, deleto o dialeto das farpas com a plenitude do bebê que se espreguiça no carrinho ao sol, enquanto a mãe digere a bunda da vitrine ao lado.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Seis lições para o próximo ano - 4

.




Aprendeu na escola das facas a lição da pedra quente e da audição do rio. Pedra bruta. Sem limo. Úmida no reverso escuro da terra. Pedra bonita. Filha de sã solidão que nada pede.

Cultivou o pomar e o porão como um deserto às avessas. Haja frutos. Haja. Mirou na mancha do muro e no banheiro o sonho claro da engenharia e dos agroboys da barra. Aprendeu que aventura às vezes vira cal.

Riso que acende na manhã o sol da pele. Queima a roça onde chove a noite inteira. Rega o pão que o diabo... e vara. Im-passível. Andaimes avisam o monumento. Na casa dela é melhor, pelo menos não lavo a louça.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Seis lições para o próximo ano – 3

.


Antiga fé na pedra no peixe e no sonho inaugura roteiro são. Acerta no alvo alvo que nem brancura de lençol quarando ao vento na paisagem luzidia do sertão nordestino. Entorna palavras e líquidos.

Vem quando convém. Às vezes rói o nome. Rói também a alma, a conta no banco, a cabeça, o pau. Pula o muro. Tem habilidade manual e o sabor da tapioca branquinha que herdamos dos índios. Ajuda a alcançar os prazos. Mais para a frente. O corpo formata o seu próprio texto.

Isso tem, desde o tempo bíblico e enfermo do Cântico dos Cânticos, nome, preço, validade: amor. Qualquer bobeira, já viu: ferrão, colméia, vôo.

sábado, 27 de dezembro de 2008

A Urânia

para I.K.
Tudo tem limite, inclusive a mágoa.
O olhar esbarra na vidraça como a folha na grade.
Podes engolir em seco. Agitar tuas chaves.
A solidão é o homem ao quadrado.
O dromedário franze o cenho ao farejar os trilhos.
O vazio se estende como uma perspectiva infinita.
E afinal o que é o espaço, senão
a ausência de um corpo a cada ponto dado?
Por isso é que Urânia é mais velha que Clio.
De dia, ou à luz de sebosos candeeiros,
veja: ela nada oculta
e, se olhares fixo para o globo, é a sua nuca que verás.
Ei-los, os bosques carregados de mirtilos,
os rios, onde se pode pescar esturjões com a mão,
e as cidades cujos catálogos telefônicos
já não te incluem. Mais para o sul,
melhor dizendo, para sudeste, erguem-se as escuras montanhas,
éguas selvagens correm entre as bétulas
e os rostos amarelecem. Mais adiante, singram os cruzadores
e a amplidão fica azul clarinho como roupa de baixo rendada.
.
Joseph Brodsky
trad. Lauro Machado Coelho

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Seis lições para o próximo ano - 2

.


Ela curte a viagem no espelho. Irriga, sem batom, as simetrias abstratas do shopping com promoções de Natal. Marca: mas não abre a porta.

Cansou de esperar Godot nas estações de metrô do Catete. Colheu nos canteiros urbanos uma jura secreta, ceciliana. Volta inteirinha da silva após as podas primaveris.

Sem respostas ao tempo, aliou-se ao corpo e seu discurso selvagem. Haja líquidos. Quer plantar horta na serra (chama o técnico agrícola, querida). Quer ser atriz. Quer.

Chique mesmo era Ana. Ela sacou um problema realmente literário em Machado: falta peido. Tia Lica dizia não imaginar um mundo sem.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Seis lições para o próximo ano - 1

.



De tudo fica um pouco, leciona a pedra com limo. Tem ferro na alma, essa pedra sem cabelos. Ela saca o almíscar no frasco abafado. Mas adota a maresia final da tarde como olor da estação.

A cidade amanhece com paisagens que se amaram durante a noite. Enquanto isso, o Flamengo perde a taça. Perde também Ronaldinho e outras mumunhas mais. Que pena! Fosse uma manhã de sol, hein, Oswald?

Resta o mapa e seus rompantes. Olhos vidrados na madeira do armário e a cabeça voando acima – isso, acima – das curvas da baía (ou seriam as curvas da torre?).

Os dias eram assim: mesmo com essa neblina inglesa que insiste rosa, ninguém reclamava do sol.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Nava, Minas

.


A inclinação barroca de Minas interfere
na arquitetura lingüística das Memórias:
alma partida, dispêndio, contorções de estilo enxundioso.

... o olhar terrível do médico, experiente
no diagnóstico, soma-se ao amorável olhar do esteta.

Pedro Nava, um homem no limiar,
Ana Cristina Chiara
.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Recordações da Casa dos Mortos

.

® Alec Soth


Minha mãe viveu encalacrada entre sua arte poética, suas diminutas crias e marido, la paramour, a cruz, o terço e a memória... Ela trocou o mito de Sísifo, vivido na pia da cozinha, pela lavra de professora.

A ciência não salva, mas dá chaves. Para quem vive na prisão, uma chave é a toda-esperança.

No laboratório dessa vida, o fígado dos ratos, os cânceres dos ratos, o sexo dos ratos, os olhos e a noite-virada dos ratos refulgiam como nossos paradigmas mais caros.

Adicionamos ferro, vidro e madeira para pôr em pé esse edifício de ossos, músculos, nervos, artérias e veias.

A geometria nos transpassava revoltosos imaginários.

Passou pela nossa janela, na rua humilde, o circo Circe e seu elefante, meu primeiro irmão africano, quando a África era uma áfrica.

João Antonio Cajado Botelho
.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Os olhos do deserto

I

Cultivo Jardins abstratos. Formas do silêncio. Mas não se preocupe. Juro pela superfície.

II

Minha busca do deserto foi e tem sido eminentemente poética, que tangencia claramente questões outras como as de ordem teológica, lingüística e política. ...O deserto é uma fábrica de metáforas.
.
Marco Lucchesi
.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Benjamin, "Passagens" # 3

.


A folhagem pintada na abóboda da Bibliothèque Nationale. Quando se folheia um livro embaixo, ouve-se o farfalhar lá em cima.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Benjamin, "Passagens" # 2

.


Em 1757

só havia três cafés em Paris

.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Benjamin, "Passagens" # 1

.



Kafka diz:


a dependência
mantém a juventude



.