e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Nova Cuba?


 
A campanha presidencial foi tão intensa que ainda ecoa na rua, no trabalho, nas filas. Ecoa principalmente nas redes sociais. Em Natal, a vereadora Eleika Bezerra voltou atrás, e retirou do facebook a postagem na qual sugeria serem as regiões Norte e Nordeste uma Nova Cuba. Segundo a professora que apoiou Aécio, a campanha resultou na divisão entre etnias, entre ricos e pobres.

 
De certa forma ela tem razão. Ao referir-se às eleições no Brasil, a mídia internacional também fala na divisão entre ricos e pobres. Já a mídia brasileira – em grande parte, filha da ditadura militar, não esqueçamos – dá bandeira o tempo inteiro. Durante a apuração, tinha canal cuja bancada jornalística mais parecia um velório, ao anunciar a reeleição da Dilma.

 
Voltemos à vereadora de Natal. Em nota, a professora lembra os altos números do analfabetismo no Nordeste (se não me engano, ela foi secretária de Educação do RN), mas esquece de registrar o bom crescimento econômico que a região teve nos últimos anos. Um crescimento comparado ao da região Sudeste. Isso sem contar as melhorias advindas de programas sociais como o Bolsa família.

 
Nordeste produtivo? Parece difícil reconhecer que o problema eleitoral não se restingre apenas à alfabetização, ou à questão do eleitor ser ou não informado, como sugeriu FH. Se assim fosse, Tirica seria reeleito um dos deputados mais votados de São Paulo? Outro dado que contesta essa questão da falta de informação: os estados do RJ e MG não elegeram Aécio.


Sejamos diretos: o Nordeste votou em Dilma pelo mesmo motivo que São Paulo vota em Aécio: o bolso. Pesou a economia. O Nordeste votou em Dilma porque ela assumiu, no seu discurso, as periferias e as minorias; sejam elas as mulheres (a maioria do eleitorado nesta eleição), os negros (é preciso reler a história) e os jovens (lembrar que do discurso do PSDB ecoava algo em prol da redução da maioridade penal, afe!).

 
O governo Dilma tem problemas graves, como o controle da inflação. É cercado de corruptos. Tem mensalão e escândalos na Petrobras. O povo deseja, desde junho de 2013, mudar. Apesar disso, não viu mudança num candidato que encenou a repetição ao mencionar a possibilidade do Arminio Fraga (membro da equipe de FH), na área econômica. Esse filme a gente já viu, meu.

 
Nova Cuba ou não, é outro o Nordeste. É visível como evoluiu a região onde nasceram Caymmi e Cascudo. A diminuição do fluxo migratório para o sul é sintomática. Não é apenas na economia que é notória a mutação por que passa o Nordeste. Na área da educação, não tem como comparar a implantação dos cursos profissionalizantes nas principais cidades. Na educação, Cuba seja aqui.


Tudo isso é difícil para a tradicional classe política nordestina reconhecer.

 
 
 
 
 
p.s. Passada a campanha, uma pergunta não cessa: por que será que o PT não ganha em São Paulo, onde foi criado, e o PSDB não conseguiu ganhar em Minas Gerais, onde governava?



domingo, 26 de outubro de 2014

hoje, o dia



Dilma, Aécio neveR


sábado, 25 de outubro de 2014

eleições 2014



todos soltos

I

"Prefiro votar em Dilma, combater a corrupção e ver o povo continuar ganhando, a votar no PSDB, combater a corrupção, e ver o povo perder."
 
Randolfe Rodrigues, senador (PSOL-AP), ao narrar em texto comovente, o encontro que teve, no Macapá, com uma senhora feliz após ser atendida e medicada pelo Programa mais médicos.
 

todos soltos

II
 

 
Há meses a programação da TV brasileira ficou sertaneja demais, e eu não entendia. Na Globo, por exemplo, o Fantástico virou um programa de música sertaneja e de matérias sobre natureza e futubel. A cada semana, uma dupla diferente canta "No rancho fundo" ou "Luar do sertão" com Luan Santana ou Sorocaba. É triste. Principalmente para quem lembra os musicais que o programa já exibiu, como aquele do Tom e Elis cantando "Águas de março", em Los Angeles, ou os Doces Bárbaros no Canecão, por exemplo.
 
Nada tenho contra cantores sertanejos. Confesso que curto as releituras que alguns deles fazem dos clássicos do sertão. O problema é a overdose. É audivel que a trilha sertaneja, com o decorrer da campanha, ultrapassou as fronteiras do Fantástico. Seus ritmos invadiram todos os programas desta emissora, do Altas Horas ao Esquenta, passando pelas trilhas de novelas e os programas matutinos. A qualquer hora que ligamos a TV, ouvimos um berro prolongado no ar.
 
Sabemos que música, futebol e política rimam com eleições. Agora que a campanha chegou ao final - e a maioria dos cantores sertanejos, assim como alguns jogadores de futebol, assumiram votar no Aécio - tomara que a TV Globo pense nos tímpanos dos telespectadores. E nos brinde com alguma recompensa musical que tenha na diferença o seu tom.  Um país multicultural requer outros tons. Quem sabe, um especial com João Gilberto e outros nomes da Bossa Nova e da nova música brasileira lembrando 20 anos sem Tom Jobim (please: nada de Michel Teló cantando "Insensatez").
 
 
todos soltos

III 


Como faz a cada véspera de eleição, uma querida tia liga de Caicó. Diz ela não curtir candidato cujo programa sugere a redução da maioridade penal, a privatização do ensino e alteração no atual sistema de cotas das universidades. Isso, sem contar com a possibilidade de termos o cantor Lobão ou o apresentador Luciano Hulk como futuros ministros da cultura.


Ao se despedir, a querida tia lembra o que disse a Dilma para o Aécio, no debate de ontem na Globo. Referindo-se ao estado de São Paulo e à seca paulista do governo tucano, a presidenta disse: "Vocês estão levando o estado a ter um programa "meu banho, minha vida". Foi isso que vocês conseguiram".
 
 
 

domingo, 19 de outubro de 2014

Dilma

 
para Jô M e Sara F 

I
 

Não costumo revelar o voto, mas creio que esta campanha, pelos seus lances contraditórios e até trágicos, como a morte do Eduardo Campos, sugere essa revelação. Como a maioria dos meus colegas professores, também desejo que o Brasil mude, e aprendo com alguns descrentes, eternamente à esquerda, como, às vezes, parece mais fácil ser “do contra”; principalmente quando este “contra” é pré-estabelecido a partir do lugar privilegiado de onde falamos.

Segundo O Globo de hoje, a proposta educacional do Aécio destaca duas prioridades: a criação do “Pró-Médio, similar ao Pró-Uni”, e a concessão “de bolsas de estudos para alunos carentes estudarem em escolas privadas”. Para quem atua no universo educacional, este fragmento acima diz muito. Pelo menos três coisas chamam atenção: primeiro, o nome do programa a ser criado. Segundo, a presença do verbo “concedendo” – forma do gerúndio utilizado pelo jornal; e terceiro, a assunção da escola privada como lugar privilegiado do saber.

Para quem lida com instrumentos verbais como as línguas, linguagens, memórias e ficções, é possível associar Pró-Médio a determinada classe social? Na cabeça deste professor nascido no Nordeste, e que passou a vida como estudante e professor de escolas, interantos e universidades públicas, a sigla Pró-Uni sugere um roteiro inclusivo diferente de Pró-Médio. Mas, deixemos de lado os nomes dos programas e o verbo "conceder" utilizado pelo referido jornal.


II
 

Passemos ao terceiro ponto deste roteiro educacional – a escola privada. Sabemos da sua eficácia. Sabemos também dos seus custos infindos. No Rio de Janeiro, as cobranças nas escolas privadas ultrapassam os valores da inflação; o que resultou, segundo a SEC, na migração de quase 30 por cento dos alunos cariocas para escolas da rede pública. Isso se dá atualmente, mesmo o governo federal não incentivando a escola privada; imaginem o contrário.
 

Eleger a escola privada como espaço privilegiado do saber é um bom roteiro; mas demora, requer prazos. Requer estrutura básica. Antes de privatizar o ensino, são necessários investimentos na formação intelectual e científica, e uma melhor distribuição de bens e serviços pós inclusão. Estamos falando de um país que nunca ganhou um prêmio Nobel, em nenhuma área, e cujas universidades não figuram em nenhum ranking global. Um país cuja população de analfabetos – cerca de 13 milhões? – abrange praticamente um Chile inteiro.

Mas sem drama. Corta o drama na sacola, Ney. Falta o Brasil resolver as suas pendências sociais. Um dado histórico e cultural nos dá idéia dessa necessidade de educação: dos nosso 514 anos de história, 388 foram anos de escravidão indígena e negra. Isso sem falar nos nossos holocaustos indígenas (havia cerca de 6 milhões de índios quando os portugueses chegaram por aqui) e sertanejos (milhares de homens e animais foram mortos em Canudos e nas estiagens seculares), dentre outros. Que tipo de imaginários construimos a partir destes gestos?

Quase quatro séculos de escravidão geram hábitos que não se esquecem da noite para o dia. Após as catástrofes, as identidades e costumes precisam ser relidos, refeitos. Temos apenas 126 anos no exercício da liberdade.  Perante a história, estes 126 anos de abolição e cultura nos situam numa espécie de infância social. E como infantes, necessitamos aprender o discurso, nos educar.  Precisamos de roteiros que erijam, sugiram limites. Leis que proíbam o racismo, a discriminação e a homofobia, dentro outros gestos violentos, já que ninguém nasce lindo, e a civilidade, a cidadania são aprendizados, conquistas.

Atuo no espaço do magistério e da extensão rural há mais de três décadas. Lecionei nos ensinos fundamental e médio, e atualmente sou professor universitário. Amo lecionar. Conheço alguns dos principais problemas educacionais do Brasil, e sei que o governo Dilma está longe da perfeição. Muito precisa ser feito, mas quero registrar três programas que se desenvolvem ao meu redor, e dos quais posso testemunhar de forma afirmativa: PRO-UNI, PARFOR e PIBID (quero deixar claro que não coordeno nenhum destes programas).  

Isso sem falar no PLI  - Programa de Licenciaturas Internacionais. Criado por Dilma, este programa beneficia estudantes de graduação, em universidades estrangeiras, e posso aferir os seus bons resultados já que alguns destes alunos são meus orientandos. Entrei para a universidade pública nos anos 80, no final da ditadura militar. A minha formação e atuação acadêmicas conincidem com os governos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma, e este exercício comparativo me orienta.

Os programas implantados por Dilma geram contradições produtivas. Tenho, por exemplo, alguns alunos fluminenses que, embora desconheçam o centro do Rio de Janeiro, estão estudando em Coimbra ou Lisboa,  há mais de um ano, com direitos a seguro saúde e moradia.  Por essas e outras não dá para ser "do contra" nesta eleição.
 
 



P. S. Não sou filiado ao PT, nem a qualquer outro partido político..



 

sábado, 18 de outubro de 2014

concurso de poesia


Esta é a terceira edição do concurso de poesia promovido pelo blog Autores SA, editado pelo poeta Lohan Lage. No link a seguir, estão registrados os oito comentários que emiti como convidado do grupo A, após a avaliação dos hai kais que abrem o longo post.
 

domingo, 12 de outubro de 2014

eleições II




Nordeste, falta de informação ou pobreza?
 
O "orgulho paulista" brotado nas redes sociais foi suscitado por uma declaração do ex-presidente FHC sobre a falta de informação do povo nordestino. Referindo-se aos eleitores do Nordeste, ele disse: "'não é porque são mais pobres que votam no PT, mas porque são menos informados".
 
Será que a questão é mesmo restrita às dualidades entre informação e pobreza? Se a eleição tem a ver com informação, como justificar a reeleição de Tiririca e do homofóbico pastor Marco Feliciano como deputados - dentre os mais votados - no estado mais rico e "informado" do país?
 
Gosto de FHC como militante envolvido na descriminalização das drogas. Mas a história é feita de contradições e os fatos rezam: no Brasil, o médico JK destaca-se, no plano educacional, como presidente que criou 10 universidades. Essa marca foi superada por um nordestino que, sem diploma universitário, criou 12 universidades durante dois mandatos: Lula. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Nordestino


O nordeste é áspero como aquele
cacto do Bandeira, mas tem brisa,
Caymmi, Cascudo e petróleo 
 
Noninha do Açu
 
 
Sou conta qualquer forma de preconceito social, seja de etnia, gênero ou religião.
 
Como professor nascido no Rio Grande do Norte,  refuto este "orgulho paulista" que invadiu as redes, e as manifestações de preconceitos contra nortistas, negros e beneficiários dos programas sociais do governo. Qualquer cidadão civilizado possui consciência das dívidas históricas que o Brasil tem, principalmente com os negros e com os mais pobres, e sabe dos problemas políticos e sociais que foram desdenhados ao longo de séculos de dominação branca e eurocêntrica.
 
O poeta Mário Quintana dizia que os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprederam a ler mas não leem.  Analfabetos (e pobres, mesmo com recursos econômicos) parecem ser os eleitores que, desconhecendo a história do seu país, não aprenderam a conviver com a diferença. O Brasil é uma democracia multicultural. E isso não é um problema, mas uma solução que ensinaremos ao mundo.
 

sábado, 4 de outubro de 2014

dia D


"Eleição não é corrida de cavalos. Não é preciso apostar no que vai ganhar. O que importa é votar, manifestar o desejo cívico que mais nos represente. Da soma desses desejos sairá nosso futuro, incluindo a eventual força opositora de perdedores. Votar branco ou nulo não é protestar. É entregar a decisão aos outros, abrir mão de uma conquista.

Em santuários de milagreiros, salas de ex-votos atestam a fé de quem desejou com força. Antes que passem as eleições e nosso voto vire ex-voto num universo de promessas, lembremos que ele é uma forma de assumir a responsabilidade pelo que vier a nos acontecer. Não vai ser culpa dos políticos. Vai ser a soma dos que votamos."
Ana Maria Machado, O Globo, hoje