e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Salvo pelos livros


Conclui na Casa da Leitura de Larnajeiras, Rio de Janeiro, o curso Floração da Prosa no Sertão. O curso teve a participação de uma turma bastante heterogênea em termos de perfil profissional e de faixa etária, variando entre 19 e 60 anos.

Uma platéia talentosa é responsável por grande parte do espetáculo, diz a lição de Fernanda Montenegro. Creio ter sido a platéia a grande "personagem" do curso, junto ao seleto grupo de autores selecionados: Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Clarice Lispector.

Segundo depoimento dos participantes, ficou do curso o gosto e o desejo pela leitura. Na entrevista que dei para o site do PROLER, fui indagado acerca do que a leitura acrescentou na minha vida. Respondi que a leitura não acrescentou. Ela fundamentou a minha existência como homem e cidadão. Sem a leitura, não haveria isso que as pessoas chamam “projeto de vida” ou “minha vida”. Fui salvo pelos livros. Autores e personagens foram os meus heróis desde a infância.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

monstro, cavalo, mancha

Situado na sombria tradição dos monstros, filiou-se depois à família dos equinos, tipo puro sangue. Abre fonte em tudo quanto é lugar que brota. Assume que escreve e lê não para saber quem é, mas para sacar a direção dos ventos, das brasas e brisas.

Durante a liturgia das manchas que fazem barulho, comporta-se como um príncipe que pacientemente espera. Seja no sótão ou quarto escuro, no inverno sente-se bem mais decente. Leitor de Borges, sabe que a felicidade não precisa ser transmutada em beleza; já a desventura...


domingo, 29 de agosto de 2010

Quintais

Roland Barthes leu Gilberto Freyre. Mas parece que não sabia do guache mineiro de "o amor chega tarde". Demora. Às vezes nem vem. Amor fragmenta. Derrapa. Derrapa em curvas, pistas, canteiros. Circula nas veias da cidade que vira capital do corpo.

Assuntos musicais de Dona Cecília, nem pensar. Não quero mais ferir o olho na luz da montanha. Olhos e mãos para baixo que isso não é nenhum assalto.

A foto na parede da sala é mais viva que algumas pessoas presentes na reunião. Na verdura desta sala, o que querem da audiência os buritis da foto? Traço prédio. Folheio ângulos com jeito. De quem não se espanta vem o prazer do texto na casa grande.

sábado, 28 de agosto de 2010

Quintais para quem

Barthes não disse porque só leu Gilberto Freyre. Não sacou o guache: "O amor chega tarde". Demora. Amor derrapa em curvas. Às vezes nem vem. Enquanto isso, brincar de lobo no apogeu do inverno.

Assuntos em dia, Dona Cecília, nem pensar. Não chame de bonde o dorso da montanha. Mãos para o alto naquele assalto. Lá embaixo a fonte escorria feliz. Como eram negros os meus verdes anos, meu deus.

Na verdura desta tarde, o que querem os buritis, Rosa? Não traço mais roteiros. Folheio sarna, manchinha. Com farinha e jeito. Para quem não se espanta, o seio da sereia na mão. Isso.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Quintais para quem conhece


A manhã sugere uma parada que Barthes não disse porque só leu Gilberto Freyre. Será que o homem do prazer do texto conhecia Drummond? "O amor chega tarde". Demora. Amor derrapa em curvas. Às vezes nem vem. Enquanto isso, o jeito é brincar de lobo, voar na esteira, comer a vovozinha. Ou seja: ser o verão o apogeu do inverno.

Negócio de cortar inteira, Dona Cecília, nem pensar com esses assuntos em dia. Já passou bem passado. Não chame de drama o que argumentei com fatos. Não. Conheço o dorso do tigre, a curva da montanha. Colhi laranja no pé. Mãos para o alto naquele assalto enquanto lá embaixo, no vale, a fonte escorria feliz como no tempo dos meus verdes anos, quem dera.

Sei muito bem o que querem de mim os buritis na tarde, Rosa. Não respondo mais aos questionários escolares nem traço roteiro para acampamento juvenil. Redações? nem pensar. Folheio sarna, manchinha, espremo espinhas, o escambal. Com farinha e jeito de quem não se espanta. Nem com o azul azul, nem com a mão no seio da sereia.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Borges


... prefiro imaginar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... intuição do espaço... a natureza informe e caótica de quase todos os livros.

“A Biblioteca de Babel”

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sinatra do Sertão


Eu ouvi "Paixão de um homem", de Waldic Soriano, na rádio de Caicó, tarde de férias na Vazinha do tio Dezinho. Ouvi também algum bolero seu cantarolado na voz do meu pai, em Caraúbas. Vi a capa de um vinil do Waldick no balcão do Bar dos Paredões, em Mossoró. Lá o cheiro forte de homens, mulheres, piúbas e cervejas era ritmado por bregas tipo Evaldo Braga e Lindomar Castilho.

Ouvi Waldic (a Marron e tantos outros) com Tetê Bezerra pelos bares da Ribeira e Zona Norte, em Natal, onde "A carta" e "Eu não sou cachorro não" faziam parte da trilha. Ali a vida pulsava forte, na veia, e Dr Chiquinho – alegando que o mundo não era logo ali – pedia para eu segurar o coração. Ele tinha razão: o sertão é o mundo, viver é muito perigoso, como diz mestre Rosa, sertão é onde os pastos carecem de fecho. Mire e veja.

Tudo isso eu lembrei vendo Waldick Soriano: sempre no seu coração – o documentário de Patrícia Pillar, visto pelo homenageado pouco tempo antes de morrer em 2008. Nos depoimentos, o cantor baiano como alma de poeta romântico (é como poeta que ele se reconhece), revela como compôs a persona pública que o celebrizou. Ele criou um personagem ambíguo, contraditório, de charme único. Um homem extremamente viril (viveu com 14 mulheres - ta bom? - dignas de Almodóvar), que retirou dos heróis do cinema os gestos elegantes e a nobreza corporal que molduram o timbre singular da sua voz. Valeu, Patrícia, por estas memórias do Waldick.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Vila-Matas

Puede parecer paradójico, pero he buscado siempre mi originalidad de escritor en la asimilación de otras voces. Las ideas o frases adquieren otro sentido al ser glosadas, levemente retocadas, situadas en un contexto insólito.
Justificar
"Intertextualidad y metaliteratura"

sábado, 14 de agosto de 2010

Otimismo sorrateiro

Coisa estranha, meu deus. Desconfio de crítico, escritor ou artista que, aparentando sintonia com o seu tempo, não usa e-mail, celular, internet e ainda desconfia da cultura.

Num tempo sem essência, privacidade, mistério, difícil é encontrar a palavra original ansiada por alguns. Difícil mesmo é habitar paisagens do silêncio após anos de alarido sob holofote. Quem foi mesmo que disse ser o crítico um leitor que rumina e que, portanto, deve ter mais de um estômago?

Ainda bem que existe um escritor espanhol chamado Enrique Vila-Matas que curte blog, e-mail e literatura. Diz ele: "Tudo permanece, mas muda, pois o de sempre se repete, perecível, no novo, que passa rapidíssimo."

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

esponja no caos, intensidade petrificada



Lendo "Memórias póstumas da escravidão", de Eduardo assis Duarte, descubro haver um conto – “Pai e mãe” – do Machado de Assis falando de afetos e abolição. O texto diz que, abolida, a escravidão levou consigo alguns ofícios e aparelhos. Eles deixaram de fazer sentido. Machado cita uma máscara, como exemplo de um objeto que perdeu o sentido de existir.

Símbolo da escravidão, essa máscara de “Pai e mãe” era feita de folha-de-flandres. Era usada pelos escravos para perder o vício da embriaguez. Era. A inexistência dessa mascara no cotidiano contemporâneo sugere que cargos e funções exercidos por pessoas também podem perder o sentido. Sugere mais: que não só os cargos ou funções mas, também, algumas pessoas podem deixar de fazer sentido.

Cada coisa, função ou ser tem a sua hora de fazer sentido ou sumir. Seja uma máscara ou uma pedra. A máscara do bruxo de olhos oblíquos, no século XIX; ou a pedra no meio do caminho, em pleno século XX, lida por um gauche cujas retinas fatigadas flagram acontecimentos pétreos. Por isso esse título. Recortado de uma poética eterna, cansada de tamanha abolição.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Eterno abandono


Eterno

E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.
...

... que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma
esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Alguns inícios são assim

Floração da prosa relida


Antes de iniciar este livro, imaginei
construí-lo pela divisão do trabalho.
Algum tempo hesitei se devia abrir
estas memórias pelo princípio.
Esta história começa numa noite
de março tão escura...

O céu tão azul lá fora,
e aquele mal-estar aqui dentro.
Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto;
Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai...
O mal foi ter eu medido o meu
avanço sobre o cabresto.

João está na minha frente. Pálido.
Pergunta se não quero fazer
café. Nonada. Tiros que o senhor
ouviu ergo sum, aliás, Ego
sum Renatus Cartesius,

cá perdido.
Verdes mares bravios de minha
terra natal. Trilha sonora
ao fundo: a entrada do sertão.




Ana C., Caio F, Clarice Lispector, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, José de Alencar, João Gilberto Noll, Machado de Assis, Oswald de Andrade, Paulo Leminski, Raduan Nassar e Raul Pompéia.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Roland Barthes, "Sobre Racine"

.
Os sentidos passam, a pergunta fica.

sábado, 7 de agosto de 2010

só me conheço como sinfonia

Para Ana F.

alma não tem cor
.
até quando o corpo pede
um pouco mais de alma
.
se tivesse mais alma pra dar eu daria
isso pra mim é viver
.
a minha alma tem um corpo moreno
nem sempre sereno
.
calminha alma minha
.
minha alma canta




Chico C, Lenine, Djavan, Abel S, Zeca B, Tom J

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sertão I


Tem uma crônica da escritora Rachel de Queiroz na qual ela diz, atribuindo a Santo Agostinho a assertiva, que os problemas são os cachorros de Deus. Ao descobrir essa crônica, minha querida aluna Favo de Mel escreveu-me inconformada. Segundo ela, essa cachorrada foi dita por Nietzsche, não por Agostinho.
.
Para Favinho - é assim que a chamo desde o Internato - tem muita gente divina soltando os cachorros. Por isso, para ela, o mundo é mesmo uma grande cachorrada. Uma sinfonia de latidos. Um canil de cheiros. Milhões de rabinhos abanando.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sertão de Serra Talhada II


...segue feliz nas travessias longas, pelos desvios das veredas...
.
Euclides da Cunha, Os Sertões

domingo, 1 de agosto de 2010

Sertão de Serra Talhada III


Paragens de Lampião.
O curso violento das balas e a luz brotada da mais escura treva.
"... atravessando um esboço de deserto...." Floração da prosa com "a índole aventureira dos avós, antigos fazedores de desertos." (Euclides da Cunha).