e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 15 de fevereiro de 2014

feiura divina


 

esta tão
dura morte é ainda o
resto da minha alegria

Walter Hugo Mãe, “Poemas”


Os leitores do escritor Walter Hugo Mãe sabem que a solidão e a morte são temas recorrentes em suas narrativas críticas repletas de poesia, e alumiadas por pequenas epifanias cotidianas. Essa recorrência pode ser aferida, por exemplo, em romances como A máquina de fazer espanhóis (2005), O filho de mil homens (2011) e A desumanização (2013).

Este último livro começa tecendo relações entre o imaginário e a morte. Traz uma epígrafe de Halldór Laxness que ratifica um dos temas recorrentes do escritor luso: “Um homem não é independente a menos que tenha a coragem de estar sozinho.” A solidão é, na verdade, uma importante “personagem” desta narrativa. Ela está presente até no abraço entre pai e filho.  Está presente na sugestão de que “num certo sentido, todos os homens começaram por ser uma mulher. A mulher grávida não difere  do seu filho senão já tarde.”

Apesar da aparente clareza de sua prosa, este poeta que também canta contradiz a sua própria epígrafe, ao reler, na primeira parte do romance, o filósofo e escritor Jean Paul Sartre em sua declaração infernal. Diz o escritor luso, pós-graduado em literatura portuguesa moderna e contemporânea:  “o inferno não são os outros... Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal.”

O autor português não possui filiação estética ou ideológica com o escritor francês que tinha no engajamento a sua práxis, mas escreve na tonalidade do seu tempo. Sabe que não vai mudar o mundo. Relê temas cotidianos como as escolhas da maturidade, e usa as narinas nas leituras do universo feminino (“a menstruação é o sangue que entristece”).  Porque a família tradicional anda cansada e sem leveza, ele recorta as novas relações afetivas e familiares na cultura contemporânea.  Fareja os formatos das novas famílias.

A escrita de Walter diz muito do que o ser moderno trama em seus desertos urbanos e silenciosos carregados de ruídos. Numa mirada divina repleta de alma humana, os seus personagens nos ensinam sobre um tema bastante contemporâneo, os deslocamentos. Ouça, caro leitor, a lição: “quando deus ficar feio, as coisas mudarão de lugar.”