e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

sábado, 7 de fevereiro de 2009

A uma leitora do Grande Sertão: Veredas




I

Querida Diadorim

Tudo o que eu não disse no orkut: curto muito essa sua leitura que projeta imagens da vida no texto e põe a letra para circular na vida. É um luxo fazer a travessia do Grande Sertão de ouvido nesta sintaxe entre a letra atemporal e a existência perene.
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Nenhum leitor é o mesmo após a travessia sertaneja. Principalmente pelo ritmo de leitura q o livro propõe e pela mexida que dá no com-passo e na respiração de quem lê. Como acontece na vida, sugiro não correr além do q indicam os sinais (“tudo quanto há é aviso”): vá no ritmo da página, do corpo, do afeto, da língua do pé no chão... Esta viagem é infinita, Diadorim. E tem sim, o lance sobrenatural ou mí(s)tico, sobre o qual vc indagou (alguns críticos vão odiar, mas não posso dizer o contrário).
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Remember a ultima linha do livro: “Existe é homem humano. Travessia.”

II


Na travessia do Grande Sertão, a língua fica de pé (principalmente o significante, vamos combinar). A linguagem e a forma romanesca traçam roteiros trágicos. Uma poética da memória é narrada nos cenários épicos de um sertão lingüístico que está em toda parte.
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Neste romance de formação do Brasil, falam homens, falam bichos e paisagens vio-lentas da paixão. Rosa nutre os personagens de altas doses de oralidade afetiva - aquela que fabrica ritmos. São tipos psicológicos adestrando pequenas mortes diárias. Mapas e dados etnográficos de um país a ser feito. Conflitos sociais nos tiros que o senhou ouviu...
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Eros e Thanatos de mãos dadas em meio a águas infindas, tronco maduro. Um riachinho pede para eu parar: obedeço. Agora o riachinho vira anta empoçada: dita, corta.

III

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Bom que vc sacou a lição dos afetos no sertão que é o mundo. Nessa lição, o medo de amar é o medo de ser livre. Medo de ser (diferente de estar?) em meio a grãos, grutas, gravetos q falam, cobra(m).
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As memórias de Riobaldo ficam – igual amor de pika – pq lecionam pelo avesso a coisa q dói corta petri-fica. Rola. Rosa sabe q não adiantam pactos - o sangue escorrendo sem auxílio da razão não rega a dimensão humana. Naquela lição, pacto mata.
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A paixão segundo Diadorim não derrama. Seu coração não é um balde despejado: volta-se para si. Nesta volta, ele – coração neblina – saca quando bate solto de medo ou alegria. Saca quando água inunda a plantação ou rega afeto.

IV


Querida ex-aluna, a paixão põe Riobaldo pelo avesso. Desnuda suas fugas via buritis e riachinhos que orden(h)am. A paixão retira arreios do cavalo; faz girar a cabeça e o sertão.
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O sujeito da paixão lê na perda o reconhecimento do outro, da diferença, neste livro no qual o enredo - como nas grandes narrativas modernas - nem sempre é o mais importante.
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Rosa leciona a “sonhação” – a aprendizagem de estarmos alegres e tristes ao mesmo tempo. Isso vc entendeu bem ao atravessar veredas fazendo da língua "o espelho da sua personalidade".

V


Ao reler o trecho das veredas mortas, lembro do sábio e querido tio Bento Iauaretê: “Rosa não curte leitor ingênuo.” Definitivamente não é o seu caso. Mantém contato após a travessia.

Bjs
Joca Ramiro Gurgel da Glória


p.s. Lembro q Joca Ramiro era “luzido” e usava botas.
Um dia pretendo escrever um texto sobre GS:V com o seguinte título: “Joca Ramiro e um par de botas”.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

seja anel dedo ou língua, perder é uma lenha

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Nesse momento de caos e perda, a língua é permeável a outras razões, deixa-se mestiçar e torna-se mais fecunda. A língua é, então, viagem viajada, namoradeira de outras vozes e de outros tempos.

Mia Couto apud J Wanderley in Tranças do Poder, Danças dos Letrados

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O Segredo Senta



Dançamos em círculo e supomos.

Mas o segredo senta no meio e sabe.


Robert Frost

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Barthes nem sempre acerta




Livro raro, Fragmentos de um discurso amoroso de Roland Barthes contém lacunas imperdoáveis. Tudo bem, ele encena “Dias eleitos” (são raras exceções, faltou anotar). Saca, no verbete “O ausente”, as trapaças do jovem Werther entre o mito e a utopia, fudido pelo amor de Charlotte.

Os verbetes barthesianos trocam figurinhas com Freud, Nietzsche, Goethe e outros garotos. Compõem o discurso moderno do sujeito da paixão. Mas falta muito. Num dicionário onde rola vôo, falo, medo, dorso, pele e outras paradas punks, não poderia faltar o verbete "Brincar de Médico".

Recorro ao Dicionário de Borges. De cara, os seus verbetes atestam a supremacia da amizade sobre o amor. Borges brinca e ainda tem a generosidade de ler o diálogo e o dicionário como gêneros literários. Outra coisa.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Encontros

...
(o fósforo, dormindo
ensimesmado dentro

da caixa, sonha incêndios)

...

Nelson Ascher, Parte Alguma



a permanência não está em parte alguma

Rilke

Alguns inícios são assim:

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Minha religião pede para começar o ano escrevendo sobre livros e leituras. Por isso esta lista de começos de romances de 11 autores brasileiros.

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio. Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho. Esta história começa numa noite de março tão escura.
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O céu tão azul lá fora, e aquele mal-estar aqui dentro. Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto. Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai. O mal foi ter eu medido o meu avanço sobre o cabresto.
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João está na minha frente. Pálido. Pergunta se não quero fazer café. Nonada. Tiros que o senhor ouviu ergo sum, aliás, Ego sum Renatus Cartesius, cá perdido. Verdes mares bravios de minha terra natal.