e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

chega



embora eu saiba
que amar dá trabalho
e beleza pode doer
não quer mais ruminar
ruínas da dor



 

sábado, 14 de novembro de 2015

Carta aos leitores de Borges na Rural


Para as alunas de Literatura Universal
 
 
 
Walquíria,
 
Sua pergunta é pertinente, mas não é fácil de responder.
Resumindo: haveria um autor equivalente a Jorge Luís Borges na Literatura Brasileira?
 
Leyla Perrone-Moisés escreveu um ensaio intitulado "Machado de Assis e Borges: nacionalismo e cor local". Neste texto publicado em Vira e mexe, nacionalismo, a autora trabalha os temas apontados no título do referido ensaio, e afirma que Machado "teria  apreciado a ironia borgeana." Regina Zilberman também comparou os dois autores no texto "O leitor, de Machado de Assis a Jorge Luís Borges", publicado na Revista Brasileira de Literatura Comparada.

O crítico uruguaio Emir Monegal, um dos melhores leitores de Borges, o aproxima do escritor Mário de Andrade, através das vanguardas; acho ótimo, mas quando  comparo o requinte da poética do Borges, esse parece ser um dos aspectos que o tornam superior à produção poética do Mário.  Apesar disso, o escritor paulista escreveu Macunaíma e  livros fundamentais da nossa cultura, como os diários de O Turista Aprendiz. Borges, um exímio representante das chamadas Altas Literaturas, nunca escreveu um romance ou diário. Sugeria ver como formas menores estes produtos culturais que ascenderam com a burguesia mercantilista do século XVII.
 
Lembrando que Oswaldo  de Andrade não alimenta o mito da pátria,  a ensaísta Ilza Matias o relaciona a Borges, lendo em ambos um "alegre cinismo". A autora lê também, nos dois autores, uma certa indiferença ao cânone literário e às convenções sociais. Vale aqui lembrar o preço pago por ambos os autores por esse "cinismo" e por essa "indiferença": o autor de Pau Brasil chegou a ser banido das antologias nacionais; o escritor argentino nunca recebeu o Prêmio Nobel que os leitores, a crítica e a academia reconhecem como merecido.

Além do carioca Machado de Assis e dos dois Andrades paulistas, um autor gaúcho é comparado ao escritor argentino.  Essa comparação pode ser aferida no ensaio "Dois leitores da Gauchesca: Jorge Luís Borges e Simões Lopes Neto", da ensaísta gaúcha Tânia Franco Carvalhal.
 
Se tiver que citar um autor que se aproxima, e que é objeto de estudos relacionados ao Borges, eu citaria o Guimarães Rosa, cujo livro Tutaméia você leu muito bem no seminário de Teoria da Literatura I. Creio que o repertório cultural, os procedimentos estéticos e o rigor artístico da ficção de Rosa estão à altura da escrita borgeana, e podem ser comparados aos grandes autores da Literatura Universal.

A ensaísta Walnice Galvão, exímia leitora de Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, é autora de um ensaio intitulado "Demiurgos: Borges e Clarice Lispector". Neste texto publicado em Desconversa (1998), ela faz referências aos contos de Ficções, do autor argentino, e aos contos de Laços de família e A Legião Estrangeira, de Clarice. É bom lembrar que a autora de A Descoberta do Mundo (1984) citava Borges em textos de sua coluna no Jornal do Brasil, coligidos depois neste livro póstumo .

Penso também que há algo de Drummond no Borges, ou do Borges no Drummond, mas não sei muito bem o que é, além do fato de ambos parecerem modestos e terem atravessado oito décadas do século XX. Não lembro agora de nenhum estudo comparando os dois autores, mas é visível como os procedimentos da memória e o olhar irônico, dentre outros, os aproxima. Mais: numa entrevista feita por Leo Gilson Ribeiro, para a revista Veja, em 1970, Borges fala de um prêmio que recebera no Brasil e diz: "o prêmio da Bienal me veio como um mensageiro novo: do país de Carlos Drummond de Andrade e Euclides da Cunha."

Euclides aparece em outros textos. Na belíssima entrevista concedida ao jornalista Roberto D"avila, para a TV Manchete, em 1985, e publicada no livro Borges no Brasil (org. Roberto Schwartz), o autor argentino indaga: "... quem sou eu para ombrear-me a Euclides da Cunha, Camões ou Montaigne?"  
 
Borges viveu dentro de uma biblioteca de ilimitados livros escritos em vários idiomas. Lia a biblioteca como metáfora do universo. Escrever e pensar eram formas de viver para quem leu a metafísica como "um ramo da literatura fantástica". No fim da vida, Borges casou novamente, andou de balão, e viajou para receber os prêmios que o mundo outorgou por ele ter suprido, com sua poética, uma das principais carências da América Latina: as fomes de formas, roteiros e linguagens.
 
A imagem de Borges personifica a metáfora da própria Literatura.  Ele insinuava viver em meio a sombras, mas dentro de uma neblina luminosa. Citava de cor os clássicos da tradição – Homero, Virgílio, Dante, Shakespeare, Kafka... Insinuava conhecer muito pouco a Literatura Brasileira. Mas lembrava um fato ocorrido em 1914, um cego declamando "Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá". A evocação, sabemos, remete ao poema "Canção do Exílio", escrito pelo poeta romântico Gonçalves Dias quando estudava Direito em Coimbra no século XIX. 
 
Voltemos à sua pergunta e aos autores brasileiros: Mário de Andrade, Oswaldo de Andrade, Simões Lopes Neto, Euclides da Cunha, Carlos Drummond, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Gonçalves Dias. Veja quem você prefere e por quê.

O que poucos leitores sabem é que Borges cita o Brasil, o escritor Euclides da Cunha e o beato António Conselheiro em mais de um texto de Ficções - sua obra prima de 1944. Um dia desejo escrever um texto chamado Os Sertões de Borges.

Abraço
 
p.s. Lembrei que o professor gaúcho Luís Augusto Fischer escreveu o livro Machado e Borges.