e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

domingo, 30 de agosto de 2009

Maré alta



"Três" é um dos mais belos momentos do show que encerrou ontem, no Jardim Botânico, Rio, a temporada de Maré (2008), de Adriana Calcanhoto. Munida de um sugestivo búzio colado ao ouvido, a cantora adentrou o cenário de tons azuis com motivos marítimos, e já na primeira canção ("Maré", parceria com Moreno Veloso) irrigou com poesia a platéia que lotou o teatro Tom Jobim.

Acompanhada de uma banda afi(n)ada de tons contemporâneos, ela apresentou um repertório poético de temática predominantemente afetiva e aquática. Além de suas belas letras, Calcanhoto entoou parcerias com Waly Salomão ("Teu nome mais secreto" - a última canção da dupla), Antonio Cicero, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Torquatro Neto e, dentre outros, a poeta lusa Fiama Hasse Pais Brandão.

Seguindo a trilogia iniciada com Maritmo (1998), este show celebra a estética das águas que possui em Caymmi a sua fluição; e inscreve AC como a melhor tradução dessa estética marinha na cultura contemporânea. O seu canto - límpido, preciso - recria do mar os perigos que a calmaria anuncia, e arrebenta nos ritmos e arranjos que parecem refazer as tempestades do imaginário e do corpo.

Ao banhar-se no mar de Adriana, o ouvinte sai de alma lavada. Principalmente quando ela canta nossas fomes contemporâneas: "a fome dos meninos", a fome dos que ferem, dos que partem; a fome de quem, no escuro, navega em curvas que enganam os sentidos. Lava-se também a alma quando a cantora dá o tom certeiro da paixão para a platéia "rezar" Tom e Vinícius: "Mas cada volta tua há de apagar/ O que esta tua ausência me causou"...

Depois das rajadas sonoras e poéticas de Maritmo e Maré, resta-nos esperar a próxima "jangada" da artista. Aguar-dar o mergulho no "triângulo das águas" ao qual suas futuras ondas e sagas nos levarão. Isso porque, desde Enguiço (1990), o seu mar está pra peixe - o símbolo da fecundidade e da vida. Água e peixe são também associados à restauração cíclica; o que nos remete à travessia - fecunda, agitada - que AC vem fazendo pelos mares revoltos da nossa cultura.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Tarde








Cheguei. Tarde, talvez, mas não tarde demais.
Trazendo aquela tralha toda, parecida
com tudo aquilo que você tem, aliás.
Como era de se esperar. O forte da vida

não é a originalidade. Eu não me iludo.
Abre essa porta. Frente ou fundos, tanto faz.
Abre depressa, antes que desabe tudo.

Paulo Henriques Britto

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ao fim

Ao fim são muito poucas as palavras
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.


Amalia Bautista,
traduzida por Joaquim Manuel Magalhães

domingo, 23 de agosto de 2009

"Eu aposto na vida, mesmo errada"

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Este verso é do poeta português Alexandre O'Neill. Ele serve de título para o texto que o poeta Leonardo Gandolfi (no entanto d'água) apresenta esta semana na UFF.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

uma Poética do Espaço Brasileiro







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"Aspectos da Amazonia", 1901 - 1902
Foto da exposição da Biblioteca Nacional
100 anos da morte de Euclides da Cunha

sábado, 15 de agosto de 2009

Rio - Minas


"Um tempo que refaz o que desfez
e recolhe todo sentimento"
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Chico Buarque de Hollanda, "Todo Sentimento"

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Retrato Sonoro e Afetivo de Canudos












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Vista de Canudos da encosta do Morro da Favela, em exposição aberta em 13/08/2009 na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, em homenagem aos 100 anos da morte de Euclides da Cunha (15/08/1909).














Ladainha de Canudos
(Gereba/João Bá)

Usaram as águas do rio
Que nem arma do medonho
Pra destruir a morada
Terra Santa
Do beato Santo Antonio
Penitentes e contritos
Na sagrada procissão
Pra bandeira de Canudos
Nunciar ressureição
Usaram as águas do rio











Rio, Abril de 2009

bom dia, Gereba (Monte Santo, 14/08)

bom dia, Bibi (Serrinha, 18/06)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Euclides na Biblioteca Nacional


















EUCLIDES DA CUNHA - uma POÉTICA do ESPAÇO BRASILEIRO é a exposição cuja cerimônia de abertura acontecerá nesta quinta, 13/08, na FBN, em homenagem aos 100 anos de morte (15/08/1909) do escritor que nasceu em 1866 em Cantagalo-RJ.
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A leitura da poética espacial euclidiana possui assinatura do poeta, tradutor e ensaísta Marco Lucchesi (UFRJ), cuja bibliografia ostenta cerca de 12 títulos, com traduções para o persa, o romeno e o almeão, dentre outros idiomas.
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Barroco Cipó
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Em seu livro póstumo Anseios Crítpticos, o poeta Paulo Leminski lê Os sertões como um texto “barroco positivista/ estilo de cipó”. Essa metáfora do cipó é uma referência a um dos mais renomados intérpretes do Brasil no final do século XIX: Joaquim Nabuco. Nabuco dizia que Euclides escrevia com um cipó.
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A leitura leminskiana possui na sofisticação da linguagem euclidiana um dos seus alvos, e aponta para uma gradação estilística e formal, “um longo percurso textual”, que vai “das anotações às reportagens” até chegar a escrita definitiva de Os sertões. Segundo Paulo Leminski,


Euclides da Cunha...
traumatizou
uma literatura feita por bacharéis
ornamental
“sorriso da sociedade”
brilho dos salões do 2o império
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Antonio Celso Conselheiro: "oratória bárbara e arrepiadora, feita de excertos truncados das Horas Marianas, desconexa..."

O brasileiro, tipo abstrato que se procura... só pode surgir de um entrelaçamento consideravelmente complexo.

Teoricamente ele seria o pardo, para que convergem os cruzamentos do mulato, do curiboca e do cafuz.
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Avaliando-se, porém, as condições históricas que têm atuado, diferentes nos diferentes tratos do território; as disparidades climáticas que nestes ocasionam reações diversas diversamente suportadas pelas raças constituintes; a maior ou menor densidade com que estas cruzaram nos vários pontos do país; e atendendo-se ainda à intrusão - pelas armas na quadra colonial e pelas imigrações em nossos dias - de outros povos, fato que por sua vez não foi e não é uniforme, vê-se bem que a realidade daquela formação é altamente duvidosa, senão absurda.
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"O Homem" in Os sertões (1902), Euclides da Cunha

"Espécie de grande homem pelo avesso"

"prostrado por um tiro, partido..."

Conhecida como a Tragédia da Piedade (bairro carioca), esta é a cena da morte de Euclides. Ele vai até a casa de Dilermando de Assis - o amante de sua mulher, Ana - e atira no cadete. Numa cena comovente, o amante de 21 anos pede perdão, após a troca de tiros, ao ver que o rival está morrendo.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Outra forma de ver e significar

"Quem escreve em blog sabe que está sendo observado o tempo todo, o que contribui para fazer da escrita uma encenação em que se constrói uma persona. O narrador perdeu a virgindade. As pessoas já vêm com uma má-fé. Esses escritores novos têm uma irnonia e uma acidez muito cruéis. Tudo tem sempre um travo."

HBH, O Globo, 11 de Agosto de 2009

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

ENTER - Antologia Digital

Site
criado
pela
professora
e escritora
Heloisa
Buarque
de Hollanda
será
lançado
nesta terça.
Clique
no flyer
para
ler
ampliado.

Diz Heloísa: "Enter faz você entrar em outro sistema. Tenho certeza que, para pensar a literatura na internet, é imprescindível que cada um pressione a tecla 'enter'... Não podemos usar os mesmos comandos mentais e teóricos que usamos fora da web. É preciso aceitar o rito de passagem, se permitir entrar em outra lógica de percepção, experimentar novas relações com a palavra, com os autores, com a ideia de literatura na web."

domingo, 9 de agosto de 2009

mulheres - damas por Ana Chiara

Paulo Honório (Othon Bastos) em São Bernardo, filme de Leon Hirszman baseado no romance de Graciliano Ramos.

Madalena
Penso em Madalena com insistência...
Graciliano Ramos

Madalena, corujinha ensimesmada,
...
o ciúme, monstro vadio
penetrou meus ossos, encharcou por dentro, virei calunga...

que estupidez, que porcaria
bichinho,
sol, chuva, noites de insônia, cálculos, combinações, violências perigos
dissipados por tuas mãos delicadas demais
nas calosidades de minha pele...
nem as flores do campo
nem a cana verde
nem a água do rio
me aliviaram do peso da tua tristeza,
peste!

sábado, 8 de agosto de 2009

niver do Evando

















princípios
(questão de)

a nonato gurgel
em definitivo
tenho todos os defeitos
menos um decerto
não sou decadentista
nem melancólico
(mas tristezas
claro posso ter)
fin-de-siècle
antes peco
eternamente
por futuridade
alegria ou júbilo
début-de-siècle

(08.III.05)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O começo do fim


... de repente o pente da amizade perde os dentes, não penteia mais os cabelos do coração.... descansar, né?... felicidade.

Nivaldete Ferreira

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Numa na Casa da Gávea


Ella
canta
compõe
analisa
pesquisa
e vive

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Hoje tem alegria




















I

Junto às taças de cristais, os florais, à panela de pressão e à celebração do vinho chileno com uma pessoa querida, o livro Para sempre teu, Caio F foi um dos presentes mais belos que recebi neste meu niver. Confesso que quando olhei o catatau com cerca de 500 páginas e capa de tons rosa, não esperava tanto. Nunca havia lido a Paula Dip. Mas estou deveras agradecido a autora pela leitura das cartas, entrevistas e fotos com as quais ela nos brinda. E principalmente pela leveza do seu estilo; pela forma romanesca que ela construiu para inscrever o "meu príncipe" (era assim que Hilda Hilst chamava Caio F).
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II
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Para sempre teu, Caio F é a segunda biografia do escritor gaúcho que morreu há 13 anos. A primeira - Caio Fernando Abreu: inventário de um escritor irremediável - foi publicada por Jeanne Callegari em 2008. Isso é um dado muito importante para a literatura brasileira. Basta lembrar, por exemplo, que o poeta Manuel Bandeira, morto há mais de 40 anos, nunca foi biografado. Jorge de Lima é outro: romancista, pintor, político, médico, poeta (criou Invenção de Orféu - um dos livros mais importantes da poesia moderna), mas ninguém re-inventou os seus roteiros biográficos. E Cecília Meireles? Alguém conhece a biografia da nossa maior poeta do Modernismo? E Hilda Hilst, meu deus? Quando alguém irá escrever a biografia da maldita que engolia o corpo de deus e conversava com pedras e plantas na Casa do Sol?
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III
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É bom perceber que Caio F, Paulo Leminski e Ana C ("um Caio F de saias") - a trindade representativa das letras marginais nas últimas décadas do século XX - inscreveu-se com letras, afetos e sangue na cultura brasileira. Essa trindade possui vários vídeos, diversos textos encenados, estudos acadêmicos, biografias... A biografia de Paula Dip é hiper polifônica. Um livro cheio de vozes. Vozes do Caio, de quem conviveu com o Caio, de quem estuda a sua obra. O Caio F dela é de carne e osso. Pulsa pra caralho. Tem trilha de rock, pop, com timbres de canções da fossa. Suas páginas estão repletas daqueles contrates de luz e sombra, sal e fogo, que estão presentes nas páginas enxutas e cortantes do autor de Morangos Mofados.
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IV
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O livro de Paula Dip transita por vários países e idiomas (é impressionante a carreira internacional do autor); passeia por várias cidades. Lateja da forma perigosa e urgente como viveu o seu biografado: escrevendo sem parar, desdenhando credos, tomando daime, fumando todas, amando meninos e meninas, viajando e lavando louça numa Europa cujas vitrines expunham seus títulos mais cultuados... Mas cheio de fé. Cheio de paixão. "O escritor da paixão", como diz Lígia Fagundes Telles.
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V
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Repleto de depoimentos contundentes, este livro ilumina, através do seu personagem mor, o Brasil do século XX. Diz principalmente das nossas artes, já que a literatura de Caio dialoga com a música, o jornalismo, a tv, o teatro, o cinema...Parece que que acabei de ler um grande romance antigo. Um daqueles livros cheios de suspense, fúria, amor, ódio e muita trama romanesca. O romance de quem aprendeu com a própria vida a enfeitar a amargura, a carência, a dor, a falta de jeito num mundo feito contra si. Amei.
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A seguir, a canção que Adriana Calcanhoto - amiga e conterrânea de Caio - compôs para ele, e que Paula Dip transcreve:
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Hoje tem uma alegria em mim
Hoje eu acordei alegre
Nem nada mudou tanto assim
Mas qualquer coisa em mim
Urge, arde em febre
Hoje serei enfim
Quem voce quiser de mim, me leve
que hoje eu vou dizer: sim
ao que quer que me espere,
me espere

domingo, 2 de agosto de 2009

Numa noite em quatro luas



MC Fiell
Numa Ciro Miriam Flaviola e Matheus




Com roteiro de Ana Luisa Martins (Mutum) e produção de Miriam Juvino (Deus lhe pague), estreou na Casa do Saber, no Rio, o espetáculo Numa noite em quatro luas com a cantora-analista-pesquisadora Numa Ciro. Na próxima quinta, dia 06/08, Numa apresenta-se na Casa da Gávea.

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No show da Casa do Saber, a ensaísta e professora titular de Teoria Crítica da Cultura da UFRJ Heloísa Buarque de Hollanda (Ed. Aeroplano / Portal Literal) que aniversariou no dia 26/07. A seguir, trecho de entrevista na qual a primeira dama da poesia fala sobre o seu trabalho de coordenação no PACC - Programa Avançado de Cultura Contemporânea:

"Fora as pesquisas, temos um programa de pós-doutorado, que eu acho que é o único da UFRJ, e que tem uma demanda altíssima. Você vê a carência do intelectual. O intelectual é uma figura muito triste, né? Porque ou briga ou não tem com quem conversar, é esquisito, é verdade. Então fizemos esse programa de pós-doutorado que é assim: o interessado se inscreve, a gente vê se o assunto está na nossa agenda e, se aceito, fazemos encontros uma vez por mês ou a cada quinze dias, dependendo da própria dinâmica do grupo. Sentamos e discutimos o trabalho que cada um está fazendo. Todo mundo dá palpite no trabalho de todo mundo. Então, o pós-doutorado é um grupo que discute, que se auto-ajuda digamos, e é muito legal. Temos procurado pegar gente muito diferente, tem gente de Direito, de Engenharia de Produção da Coppe, da Letras, tem artistas, escritor residente."

sábado, 1 de agosto de 2009

Esaú e Jacó






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Viverei com o Catete, o Largo do Machado, a praia de Botafogo e a do Flamengo, não falo das pessoas que lá moram, mas das ruas, das casas, dos chafarizes e das lojas. ...Lá os meus pés andam por si. Há ali cousas petrificadas e pessoas imortais...


Machado de Assis