Rio, 2018: eu, Aderaldo Luciano, Numa Ciro, Toinho Castro e Bráulio Tavares
e todo caminho deu no mar

"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"
quarta-feira, 8 de agosto de 2018
Ilza lê Borges
'O alegre cinismo borgiano'
Trecho
de entrevista publicada no Jornal de Hoje, Natal, 1999.
A
seguir, a fala da ensaísta e profª. Ilza Matias de Souza (UFRN), exímia leitora de autores como Guimarães Rosa e Jorge Luís Borges. De olho na
“paisagem eletrônica” e nas mutações culturais, ela vê no horizonte da ficção o
lugar do sujeito humano e de sua inteligência imaginante, em face às
inteligências artificiais que produzem imagens digitais.
Nonato Gurgel: Recentemente a Editora Sette Letras lançou Borges em dez textos, sendo um desses escritos de sua autoria. O que possibilita o “alegre cinismo da ficção borgiana”?
Ilza Matias: Talvez o fato de Borges ser latino-americano, argentino ... E, como todos nós, nascido entre espelhos e máscaras coloniais que transformam os processos de identidade, inclusive literários e artísticos, em uma espécie de teatro, um drama latino-americano (algumas vezes uma grande farsa nacional, outras, representação trágica, cruel, existencial e humana). O alegre “cinismo” da ficção borgiana - assim o concebo no ensaio publicado em Borges em dez textos - é expressão de uma prática ficcional que implica um profundo reconhecimento disso.
NG: Como se dá esse reconhecimento na "letra" borgiana?
IM: Um (re)conhecimento ativo sustentado pelo alegre cinismo, sofisticado e consciente de sua própria literariedade, via aberta, em primeira instância, por um método poético (o termo aqui não tem a ver com o sentido estrito de “poesia”, tradicionalmente circunscrito a versos, sons, rima, metro). Uma imaginação poética que faz da obra do autor mais que um testemunho dos espelhos que refletem nossas máscaras e nossos rostos mestiços: uma intérprete, em última instância, que subverte através do humor. Esse é o theatrum philosoficum encenado, na modernidade, por Borges.
Nonato Gurgel: Recentemente a Editora Sette Letras lançou Borges em dez textos, sendo um desses escritos de sua autoria. O que possibilita o “alegre cinismo da ficção borgiana”?
Ilza Matias: Talvez o fato de Borges ser latino-americano, argentino ... E, como todos nós, nascido entre espelhos e máscaras coloniais que transformam os processos de identidade, inclusive literários e artísticos, em uma espécie de teatro, um drama latino-americano (algumas vezes uma grande farsa nacional, outras, representação trágica, cruel, existencial e humana). O alegre “cinismo” da ficção borgiana - assim o concebo no ensaio publicado em Borges em dez textos - é expressão de uma prática ficcional que implica um profundo reconhecimento disso.
NG: Como se dá esse reconhecimento na "letra" borgiana?
IM: Um (re)conhecimento ativo sustentado pelo alegre cinismo, sofisticado e consciente de sua própria literariedade, via aberta, em primeira instância, por um método poético (o termo aqui não tem a ver com o sentido estrito de “poesia”, tradicionalmente circunscrito a versos, sons, rima, metro). Uma imaginação poética que faz da obra do autor mais que um testemunho dos espelhos que refletem nossas máscaras e nossos rostos mestiços: uma intérprete, em última instância, que subverte através do humor. Esse é o theatrum philosoficum encenado, na modernidade, por Borges.
NG: Na sua opinião, qual é o papel que Borges desempenha neste theatrum?
IM: Ele desempenha o papel de um filósofo cínico, ao modo de filósofos da antigüidade grega, indiferente às conveniências sociais, escapando de enveredar num humanismo impotente ou de conferir à ficção a capacidade de salvação da realidade. O alegre cinismo borgiano desmascara e fere de morte o discurso “pedagógico” da nação e do sujeito nacional, articulando um discurso performativo (cf. HOMI BHABHA) que intervém e lança sombras sobre a ilusão de transparência que aquele primeiro engendra. A alegria que se desprende da atuação borgiana assemelha-se às notas agudas de um violino, num canto libertador, um tanto de tango, um pouco de pátria, muitíssimo de sutileza, sagacidade e criação artística, nas noites argentinas.
NG: Com qual autor brasileiro você faria uma paralelo em relação a esse “alegre cinismo” que põe em jogo o “discurso pedagógico”?
IM: De pronto me vem o nome de Oswald de Andrade. A antropofagia oswaldiana, a meu ver, traz o mesmo caráter de encenação de onde salta o alegre cinismo autoral para instaurar o teatro de mímicas da cultura brasileira, também rompendo com a ilusão da verossimilhança realista na discussão dos acontecimentos históricos coloniais e pós-coloniais.
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