e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 3 de dezembro de 2011

somos ossos de Ovídio?

Entrevista concedida ao escritor Lohan Lage, editor do blog Autores S/A.


Lohan: Olá, Nonato Gurgel. Primeiramente, é um prazer imenso recebê-lo aqui, no blog Autores S/A. Nesta semana, o tema proposto aos poetas concorrentes do concurso foi: O Sertão. Esta ideia foi concebida a partir de uma homenagem ao escritor Euclides da Cunha, autor do livro Os Sertões. O que esta obra proporcionou a você (reações, aprendizados, trabalhos...), e o que ela representa, na sua opinião, no cenário literário do nosso país?


Nonato Gurgel: Parabéns ao blog pela escolha do tema e do autor. É um prazer falar deste livro de Euclides da Cunha, um marco na Literatura Brasileira. O texto de “Os Sertões” rompe. Há nele uma ruptura de gêneros literários e a construção de uma outra forma estética que se situa entre o ensaio e o romance. Além disso, Euclides introduz a interdisciplinaridade entre artes e ciências, possibilitando uma infinidade de leituras ideológicas, formalistas, psicanalíticas...


Essas rupturas e os demais procedimentos estéticos dos quais Euclides faz uso nOs Sertões, dizem muito da violência social que o seu texto encerra. Com medo dessa violência, adiei durante anos a leitura do livro. Li o “Grande Sertão: veredas”, de Rosa, releitura assumida de Euclides, e atravessei sertões de Graciliano, José Lins, Cascudo e Cabral, mas sempre adiando solos e desertos de Euclides. Até que, atentando para a identidade do Brasil e suas contradições, deparei com a sua dimensão paradisíaca e violeta. Dimensão essa que Euclides traduziu muito bem neste livro híbrido e viril que traumatiza e vinga. Depois dele, a literatura deixou de ser “o sorriso da sociedade”.


Lohan: Em seu ótimo texto, Overdose do real, encontrado no blog Arquivo de Formas (http://arquivodeformas.blogspot.com/), você afirma que "o perfil literário contemporâneo surge em sintonia com os gráficos da mídia e do mercado, mas de ouvido aberto ao discurso da crítica". Seria possível um autor posicionar-se de modo a atender tanto aos estímulos mercadológicos quanto aos oriundos da crítica especializada? Qual autor você apontaria, hoje, com um perfil exemplar condizente com sua visão de autor contemporâneo?


NG: Esse perfil condiz com a maioria dos autores contemporâneos publicados pelas principais editoras. Autores que freqüentam as bienais e os mega eventos, a fim não apenas de autografar e comercializar os seus livros, mas principalmente de contatar o leitor – o grande personagem desta história.


Lohan: De acordo com sua experiência profissional e de vida, o que mais importa, em um certame como este: o autor, a sua obra ou o leitor/jurado? Na sua opinião, o leitor/jurado deve valorizar a trajetória do autor-competidor ou uma análise isolada de seus poemas seria mais justa?


NG: Sabemos que, desde a produção das vanguardas e a construção das poéticas modernas, no início do século XX, o autor perdeu muito da sua onipotência. Sabemos também que, a partir deste contexto estético e histórico da modernidade, o papel do leitor e a produção da obra ganharam leituras infindas e criaram procedimentos inusitados. Neste sentido, sou borgiano e prezo muito por uma poética da leitura. Para Borges, importavam muito mais as páginas lidas do que as páginas que ele escrevia. Na verdade, essa poética da leitura consiste numa descarada declaração de amor às formas herdadas da tradição literária. Por isso, um poeta contemporâneo como Paulo Leminski pergunta no seu belo “Catatau”: Não somos os ossos da tradição?


Lohan: Nonato, pra terminar, qual conselho você deixa aos poetas dessa competição em relação a esta temática, O Sertão? Você poderia dar alguma sugestão de leitura?


NG: Gosto muito desta temática do sertão. Não chega a ser um conselho, mas uma sugestão. Sugiro aos poetas a releitura de autores da tradição modernista que possuem o sertão como tema: Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, João Cabral, Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Antonio Torres... No link abaixo encontra-se um texto nosso, sobre o tema do sertão, que acaba de sair na revista da Uniabeu: http://arquivodeformas.blogspot.com/2011/06/os-sertoes-e-alguma-coisa-do.html




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