e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

domingo, 4 de agosto de 2013

O leitor


Cercado de letras



Amor, Analfabetismo e Nazismo. Não necessariamente nessa ordem, são esses os principais ingredientes do filme O Leitor. Stephen Daldry, o diretor, demonstra habilidade no diálogo entre letras e telas desde As Horas, filme sobre a escritora inglesa Virgínia Wollf.


Baseado no livro do escritor alemão Bernhard Schlink, O leitor é uma história carregada de três ingredientes produtivos e bastante perigosos: política, poesia e erotismo (lembrar que, para Freud, eros é também o pro-motor da desordem). A narrativa de Schlink é escrita numa linguagem clara e direta, numa forma linear; às vezes até meio previsível. Mas essa história – repleta de visibilidade e dúvidas, como a maioria das narrativas modernas – não é nada previsível.


A narrativa tem como um dos principais personagens um garoto de 15 anos. Ele conhece as farpas e o mel – do amor e dos fatos – ao envolver-se com uma mulher de 36 anos. Ela, uma ex-vigilante que encaminhava judeus para as câmaras de gás nos campos de concentração nazistas; ele, um jovem (futuro estudante de Direito) que lê Homero, Rilke, Cicero e Horácio. Além disso, vive numa família cercada de Letras (seu pai é professor de Filosofia e sua irmã estuda Literatura).


memórias do holocausto


A ficção de Schlink tem como cenário uma Alemanha pós-guerra. Tudo se passa na década de 40, marcante contexto bélico do século XX. Isso traduz-se, no filme, em cores sóbrias e tons sombrios, sugerindo o medo e a melancolia que perpassam algumas imagens de Schlink. Esse contexto bélico, os sobreviventes e suas memórias são os referentes através dos quais as questões políticas e sociais são inscritas.


Essas questões que remetem ao holocausto e ao entorpecimento aparecem com mais vigor no livro do que no filme. São muitas as indagações que atravessam a narrativa de Bernhard Schlink, começando pelas que envolvem a história e as leis: o que é o direito? Quais os papéis dos advogados e promotores numa sociedade pós-guerra? Quais os limites do “distanciamento profissional?”
 

Quanto mais a narrativa avança, mais o leitor vai sendo possuído pelas perguntas: como deve ser feita a leitura do nosso passado histórico? O que fazer com o medo, o entorpecimento e o horror que invadem “violentamente o cotidiano”? Enfim, o leitor é assolado pela grande pergunta que atravessou todo o século XX, e continua ecoando em nosso imaginário social na contemporaneidade: o que as gerações seguintes devem fazer “com as informações sobre as atrocidades dos extermínios dos Judeus?”



amor, verdade e lei
 




Entre os dois amantes rola sexo, muitas leituras (Guerra e Paz) e uma infinda "batalha verbal". A tigresa Hanna tem um “corpo cheio de força e confiante”. Ela doa para o seu “filhote”-"menino"-“pedrinha” dois elementos raros na juventude: segurança e decisão. Em troca, Michael lê.


Assim como quem lê a ficção contemporânea de Schlink, o seu personagem é também um leitor. E, como um bom leitor, ele lê principalmente a nuca, as pernas. Lê o corpo inteiro da amada. Lê também os livros em voz alta. Ao acionar o universo da leitura, o jovem leitor atende aos pedidos dessa estranha funcionária do bonde, cujo passado bélico ele só conhecerá futuramente num tribunal público.


Quanto mais lê, mais o leitor se submete às ciladas dessa Lilith no vigor da maturidade feminina. As brigas e os descompassos produzem mais intimidades entre eles. Produzem mergulhos em águas turvas. A narrativa registra as trevas e traças de uma história cujo futuro ninguém sabe, ninguém vê.


Mas a narrativa registra também os bombardeios de palavras e beijos. Cenas de sangue e poesia se alternam, se completam.  O casal grita de prazer enquanto trepa. Essa relação erótica, paradoxal, conflitante, parece uma metonímia histórica das relações políticas de um país destroçado, descompassado pela guerra.


Sem efeitos grandiloquentes nem ritmos alucinantes, O Leitor cria ritmos. É o  tipo de filme que afeta a respiração de quem vê. Isso, por um motivo atroz: aquele que narra e lê – belo, resignado, cheio de memórias – mostra que a verdade e a lei, em alguns contextos, são coisas bem distintas.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

a verdade e a lei, em alguns contextos, são coisas bem distintas.


bj

LH