e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Macondo, um lugar inventado



Macondo é o nome de uma planta da Colômbia.
Macondo é uma cidade criada pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez em seu celebrado romance Cem anos de solidão (1967).

Em Macondamérica - a paródia em Gabriel Garcia Marquez (Ed. Leviatã, 1993), a profª. e ensaísta Selma Calasans Rodrigues analisa a obra do escritor Gabriel García Marquez por um enfoque paródico que é bastante produtivo. Para realizar sua empreitada, a autora relê, além de outros textos representativos da cultura ocidental, o texto bíblico, as Crônicas da Conquista da América e o mito de Édipo. Segundo ela, esses textos estruturam a narrativa de Cem anos de solidão.

O livro de Selma divide-se em 4 capítulos. No primeiro, “Autoparódia na formação da obra”, a autora analisa as fases da produção de García Marquez, e os procedimentos estéticos e culturais utilizados na construção do seu texto. Destaca principalmente a autoparódia, e os intertextos que o autor mantém com escritores representativos do século XX como Kafka, Hemingway e Faulkner, dentre outros.

“Cem anos de solidão: Ficção das Índias” – o 2º capítulo de Macondamérica – rastreia os textos das Crônicas da Conquista da América no romance. Texto sedutor que lida com questões como “mestiçagem: ideologia e discurso”, este capítulo impulsiona o ritmo da leitura do livro ao analisar as nossas diferenças, nossas origens latinas. Esta parte do livro revela também a clareza como a autora dialoga com outros saberes, além da literatura, como a história, a antropologia, a religião, a sociologia, a estética...

Criticando a discriminação do Positivismo, em relação a excelência das raças puras, ressaltando os fatos que motivaram uma nova visão das Américas (a 1ª guerra, as vanguardas européias, a revolução mexicana...), e atentando para a carnavalização bakhtiniana como estética identificada com o discurso latino-americano, Selma  relaciona alquimia e literatura e ressalta  a nossa “vocação antropofágica” (O personagem José Arcadio, sabemos no final, “foi antropófago”). Além disso, ela explica o porquê do século solitário proposto desde o título. Ainda neste capítulo, a autora discorda de Graciela Maturo, que tenta associar a obra de Gabriel Garcia Marquez a “uma filosofia cristã” e ao discurso alquímico. Diferentemente de Graciela, ela lê o texto de Gabriel Garcia Marquez numa crítica perspectiva alegórica, o que possibilita múltiplas leituras da narrativa.

Revelando ser Cem anos de solidão estruturado a partir do texto bíblico, a autora enumera em “Macondo: do Gênese ao Apocalipse” os mitemas bíblicos que compõem a narrativa de Gabriel Garcia Marquez. Ao ler a inversão paródica operada pelo autor, ela discorda novamente de Graciela Maturo que, num estudo sobre o mito em Garcia Marquez, apresenta posição oposta; isso porque a leitura de Selma utiliza-se do mito enquanto significante lingüístico e não como uma “crença”.

 O 4º e último capítulo – “O mito de Édipo” – traça um histórico desse mito por um prisma antropológico e psicanalítico, através do qual a autora analisa o caráter simbólico da linguagem. Trabalhando com “duplos paródicos”, e estudando as relações entre “matriarcado, machismo e dependência”, a autora analisa a família Buendía como núcleo fechado em si próprio, numa intensa relação incestuosa. Segundo Selma, o mito de Édipo “...cumpre sua função ao aludir a uma crítica global da História do Continente, pois levanta o problema da sua dependência política, do esquecimento fundamental das origens e do fechamento “incestuoso” ao resto do mundo, também não desejável.”

Nesta década na qual o Brasil e a América comemoram datas significativas, relacionadas aos seus descobrimentos, nada mais instigante que a leitura deste texto. Desvelando as nossas origens e diferenças, as formas culturais e as leituras feitas em torno do continente, ele ajuda a construir  a nossa identidade a partir da cor local.

Neste espaço no qual o sujeito busca eternamente respostas para sua solitária condição política e humana, resta celebrar a lição visionária dos conquistadores e suas leituras. Suas mentes foram estimuladas pela leitura – ação a qual este livro de Selma Calasans nos impulsiona, interpretando um continente cuja forma espelha o seu conteúdo.



Uma versão desta resenha foi publicada nO Jornal de Hoje, Natal, 23/09/1998
 
 
 

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