e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 12 de setembro de 2015

Maria Bethânia

 
Para Macabéa Córdova que viu comigo
 

Amanhã é o último dia da mostra que comemora, no Paço Imperial, os 50 anos de carreira da deusa baiana. Ouvi Fernando Pessoa na voz de Maria Bethânia antes de ler o poeta luso na página (O eu profundo e os outros eus). Isso não é pouco. Marca um jeito de ler a poesia e interpretar o mundo. Um modo meio carta e carcará - pega, mata e come - de ouvir e estar no mundo. Modos que a grande artista Bia Lessa traduz com vigor na direção da mostra que poderia se chamar O cheiro da canção.
 
Hoje cheirei e ouvi literalmente a voz que Deus deu para ela cuidar. A voz que sai de antes do umbigo. Voz que acolhe e corta. Uma enchente que seca e depois sangra. Canto que confirma e inventa uma vida, como diz a escritora portuguesa Inês Pedrosa nas paredes - as paredes sabem tudo, por isso um homem pode amar uma parede, uma pedra, uma planta. Mesmo que esta planta seja capim, como Macabéa. Capim de feno. Inês sobre Bethânia: "Pessoa escreve na tua voz o vendaval de paixão que seu corpo apenas pode inventar..."
 
Assim é a mostra e suas mais de mil peças: telas, esculturas, fotos, vídeos, objetos pessoais e canções. O feno - o cheiro - perpassa os ambientes. Feno/floração. O expectador é seguido pelo cheiro do feno que floresce pelas salas. Além do capim verde marrom, outros cheiros acionam o corpo que ouve as vozes das lavadeiras. Haja memórias. Memorial afetivo do pretérito. Melhor focar no presente da mostra. Focar no fundo. O fundo verde das paredes que, inscritas a fogo e giz, falam.

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