e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 21 de maio de 2011

Lucchesi na ABL

Autor de cerca de 25 titlulos publicados, o escritor e professor Marco Lucchesi é o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras. A seguir, destaco o trecho de uma bela entrevista concedida pelo poeta em 2003. Nesta entrevista, o deserto é definido como "fábrica de metáforas", podendo ser lido como um dos grandes "personagens" da narrativa literária e existencial do autor de Os Olhos do Deserto (2000) e O Dom do Crime (2010).

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Nonato Gurgel: Na América de Baudrillard, o deserto aparece como crítica (uma crítica extática da cultura, um signo extático do desaparecimento) e aparece também como  forma (a forma da viagem, uma estética do deslocamento). Em seu livro Saudades do Paraíso, você sente uma nostalgia da forma, enquanto no livro Os Olhos do Deserto, o deserto surge como simulacro. Falando do deserto, diz a voz que narra neste texto: "Fora dele, não sei viver senão por metáforas". Por que o deserto como signo recorrente e referente desta poética?

Marco Lucchesi: Comecei durante anos navegando em mares dantescos. E me deparo sempre mais com as vastas extensões da areia. Nessa espécie de salto meta-ôntico, percebo a fragilidade e a abertura infinita, que imagens como noite, deserto e mar guardam dentro de si. Minha busca do deserto foi e tem sido eminentemente poética, que tangencia claramente questões outras como as de ordem teológica, lingüística e política. No entanto, a centração ou a supercentração de tudo isso se resolve num ambiente do que os futuristas russos consideravam como Literaturnost (literariedade). Só posso responder enquanto me dou conta deste núcleo, desse arranjo, desse tema dominante. Percebo claramente uma espécie de recusa diante do mesmo e me encontro muito à vontade dessa maneira baudrillardiana de encarar essa dialética. O deserto é uma fábrica de metáforas.

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A experiência do deserto me marcou de modo irreversível. Passei longas temporadas solitárias, parte das quais foram evocadas em Os Olhos do Deserto, que cobrem experiência de quase uma década. Não há dúvida que o deserto guarda inúmeros sortilégios e desafios epistemológicos. A experiência do deserto é uma experiência muito dura, da qual regressei com uma forte pneumonia (porque vale lembrar que o deserto é frio e que não tenho o physique de rôle de um herói clássico). Os desertos que mais me impressionaram com sua força, que diríamos mística, foram o da Mauritânia e o da Síria. As grandes vastidões, o sentimento do infinito, a nostalgia do mais se entrecruzam nesses espaços marcados de abismo. Não tenho certeza se consegui ou não meu Interlocutor. Mas sei que a experiência da nudez essencial abriu caminhos de sensibilidade, que se tornaram como o Deus dantesco intraduzíveis, inefáveis, irrepetíveis.

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