I - Avenida... veloz
Tarde entendi
que a vida é inventada, e este é um dos motivos pelos quais curto
ver novela das 9. Quando é boa como Avenida Brasil, na medida em que a narrativa
cresce, vê-se que o que vai sendo inventado na trama muitas vezes copia as
cotas de invenção e fantasia que a vida exige quase todo santo dia.
Há tempos não via uma novela bem urdida. Trama com personagens de
carne e osso, onde os elementos da narrativa encaixam. Dentre esses
elementos, curto principalmente o ritmo. Avenida... tem vários ritmos.
Ritmos velozes. Tão velozes quanto as canções da trilha. Velozes feito as falas e os gestos cotidianos
da nova classe social que diariamente é posta na tela pelo autor João Emanuel Carneiro - coroteirista do belo filme Central do Brasil.
A velocidade
musical - e a subjetiva - têm muito a ver com a rapidez com que os fatos se anunciam e se transformam nesta trama agitada onde nada é claro; até a mocinha é contraditória, mente e trapaça.
Essa agitação da trama é traduzida, dentre outros, nas belas imagens
e curvas - noturnas, aceleradas - da real Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, com trilha sonora eletrizante.
Por esta avenida passa diariamente o Brasil.
Concordo com o autor Gilberto Braga quando diz que a novela é boa, e a trilha não. Mas creio que nesta altura da vida (e da história da TV), a gente já sabe que dificilmente Deus dá tudo. Se a trilha sonora é cruel (brega, melosa), podemos investir mais no olhar. A iluminação, por exemplo, é certeira: cheia de contrastes de luz e sombras, com tons que se repetem em variações de cores que parecem dialogar entre si. Tomadas diferentes. Imagens de cinema nos brinda a direção da Amora Mauthner.
Concordo com o autor Gilberto Braga quando diz que a novela é boa, e a trilha não. Mas creio que nesta altura da vida (e da história da TV), a gente já sabe que dificilmente Deus dá tudo. Se a trilha sonora é cruel (brega, melosa), podemos investir mais no olhar. A iluminação, por exemplo, é certeira: cheia de contrastes de luz e sombras, com tons que se repetem em variações de cores que parecem dialogar entre si. Tomadas diferentes. Imagens de cinema nos brinda a direção da Amora Mauthner.
II - país violento
Curto
principalmente esses contrastes e variações que, juntos a muitas inversões e paradoxos
infindos, estruturam os discursos da Avenida Brasil. Através deles, o autor “leciona”
as contradições das nossas identidades culturais. Desnuda as fragilidades que
engendram as relações familiares e afetivas e estampa, de forma sutil, nossas
mazelas sociais.
Dá para
entender porque a novela gera tantos comentários críticos: é difícil
perceber, no momento em que o Brasil começa a encarar o seu passado militar, como
somos violentos e preconceituosos. Claro que somos lindos. Temos graça e, ao contrário de muitos povos europeus, aprendemos a conversar olhando no olho. Chegamos ao século XXI - até que enfim - com as contas em dia.
Mas não
podemos esquecer, por exemplo, que somos campeões mundiais em acidentes de trânsito.
Ostentamos uma das mais altas estatísticas de violência familiar e de abuso sexual. Afirmamos não ter preconceito, mas espancamos diariamente
as minorias sexuais. Aqui, 10 mulheres morrem todos os dias. Vou repetir por escrito: os brasileiros matamos dez mulheres a cada dia.
Mais: nossos índices de analfabetismo continuam altos. Lemos pouco. Basta olhar para os vizinhos argentinos e suas avenidas repletas de livrarias. E para quem crê que Avenida... exagera nos cenários violentos do lixo, é bom lembrar que produzimos o maior lixão da América Latina – o aterro de Gramacho. Com 1,3 milhão de metros quadrados ele sustenta, além de porcos e urubus, cerca de 1.700 pessoas. Lá viveu Estamira - a louca cuja lucidez cortava nos lixões onde o cinema chegou antes da tv.
Mais: nossos índices de analfabetismo continuam altos. Lemos pouco. Basta olhar para os vizinhos argentinos e suas avenidas repletas de livrarias. E para quem crê que Avenida... exagera nos cenários violentos do lixo, é bom lembrar que produzimos o maior lixão da América Latina – o aterro de Gramacho. Com 1,3 milhão de metros quadrados ele sustenta, além de porcos e urubus, cerca de 1.700 pessoas. Lá viveu Estamira - a louca cuja lucidez cortava nos lixões onde o cinema chegou antes da tv.
III - nomes e livros
Seria covardia
destacar aqui algum nome do grande elenco: só tem craques. Até estreantes, que
nem a bela Tessália e o dançarino Darkson, arrasam (A escolha dos nomes dos
personagens é outro acerto. Geralmente há bastante sintonia entre a sonoridade
do nome e a imagem do artista. Tufão ou Nina, Adauto ou Muciri, o material acústico combina diretinho
com a materialidade física).
Como um
telespectador que dá aulas, é claro que a questão da leitura nesta novela interessa
muito a mim e à professora Tetê Bezerra, noveleira assumida. Não vi ninguém lendo no núcleo zona sula da novela. Chama atenção o
fato de ser Tufão, o craque suburbano, o leitor. Primeiro, Nina sugere para ele
a leitura de Kafka. Mas ele não entende o recado da cozinheira: ela deseja que
ele veja que é numa barata que Carminha o transforma, impedindo-o de perceber o real
à sua volta.
Depois dA
Metamorfose onde o ser degradante se perde de si, Nina indica Dom Casmurro, de Machado
de Assis, trazendo as senhas da dúvida e da traição de que Tufão é vitima. Mas o jogador não
se toca. Aí Nina pega pesado: manda ele ler do Flaubert o livro Madame Bovary –
romance de 1856 no qual o adultério é tema.
Nesta prosa francesa onde um médico rural é traído pela esposa, o burguês é o vilão cujos instintos e emoções dão o tom da narrativa. Por
causa deste clássico do realismo francês, Flaubert e o editor foram levados aos
tribunais, acusados de imoralidade e pornografia - signos que remtem direitinho ao universo da Carminha.
Tomara que a educação sentimental de Nina surta efeito. Tomara que o Tufão se toque logo. E que João Emanuel, Murilo Benício e Adriana Esteves não demorem.
Tomara que a educação sentimental de Nina surta efeito. Tomara que o Tufão se toque logo. E que João Emanuel, Murilo Benício e Adriana Esteves não demorem.
11 comentários:
Adorei, pena que não assisto essa novela.
Adorei seu ponto de vista sobre a novela. Concordo com tudo.
bjs
Somos noveleiros assumidos sim senhor.Aliás,no tempo das patrulhas brabas a gente sempre assumiu nosso gosto musical pelo Rei e os bregas que hoje viraram cults.Não esqueço que meu primeiro show do Rei foi com vc em parnamirim.Muito legal seu texto,e essas observações sobre os livros,e a relação deles na trama,foi uma sacada de mestre.
May e Joana, é sempre bom ouvir o olhar de vcs.
abraços
oi TT, gosto dessas boas lembranças do primeiro show do rei em Parna...
bj
Quero parabenizar pelas ótimas informações postadas aqui gostei muito do site realmente é muito intuitivo e fácil navegação já sou um de seus seguidores tenho um blog e pelo lhe que acesse também e se possível se torne um seguidor o endereço é http://maisword.blogspot.com
Desde já agradeço, e estou sempre aberto a boas parceiras.
Érico Junior
Valeu Erico, agradeço pela leitura que vc faz do blog e desejo o seu retorno.
Abraço
Simplesmente a realidade... perfeito!
Beta Flor, sua aparição por aqui é pura epifania.
Até os cortes desta novela tem personalidade, muito mais do que fomos obrigados a ver durante anos a fio. O trabalho de câmera, a edição, o roteiro que vai cedendo aos poucos, mas ininterruptamente, cada granada de mão. A novela começou num ápice e, desde então, mantém o espectador preso à tela, esperando pela resolução da vingança de Nina. Um roteiro simples, a saga de uma heroína romântica, que sacrifica não apenas a própria vida, mas a de qualquer um. Nina, que é uma face da própria Carmem Lúcia, ambas obstinadas e capazes de qualquer coisa para ter aquilo que acreditam. Duas personagens trágicas, em um abraço sinistro de humanidades.
Bom vc dizer da "personalidade" dos cortes, Avati, e do "roteiro que vai cedendo aos poucos, mas ininterruptamente, cada granada de mão."
Leitura de duas faces onde os contrários des(a)fiam.
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