e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 23 de março de 2013

ler o que lateja


 
Para Mariana, Débora, Marcia e Gilcineia, leitoras do Lobo
 
 
Publicado por Lobo Antunes, em 1979, e detentor de vários prêmios, o romance Os cus de Judas é uma narrativa feita dos estilhaços de vozes e restos de imagens da guerra de Angola. Como médico e escritor, Antunes viveu nesta guerra colonial portuguesa o medo e a perda, além da sua falta de justificativa. Por isso, em seu romance “os homens caem”, morrem feito peixes findando nos confins, nos cus de Judas.

 
O livro de Lobo Antunes é repleto de seres famintos e aflitos. Personagens cujas existências parecem pautadas no ritmo da “aflição de pedras que respiram”. As falas estilhaçadas e os nacos de imagens desta guerra africana alimentam uma linguagem fragmentada de diferentes tons. Dela, ecoa a dicção nobre - herdada da literatura do século XIX-, assim como uma boa taxa de oralidade contemporânea. Essa oralidade é bastante sedutora para o ouvido de quem lê expressões do tipo “percebe”, “sabe como é’, “escute”, “já reparou”... A sedução lingüística é motivada pela diferença, e tem o outro como parâmetro. Ela parece, a sedução, típica de um narrador que assume estar a fim de se escutar a si próprio nos ouvidos dos outros”.
 
 
 
Neste romance-testemunho, o leitor é bastante convocado. Ele transita literalmente nos "cenários em ruínas" da guerra. Adentra suas derivas sem luz. O leitor transita pelos desvios e deslocamentos de uma narrativa atravessada – toda ela – por dois “ingredientes” explosivos: a poesia e a violência. Antunes escreve uma narrativa bélica de busca. Nela, o  amor e a guerra, o grotesco e o sublime, a memória e o testemunho ajudam a ler o que lateja na prosa do mundo.
 

2 comentários:

SÉTIMO DO ZEROHUM disse...

“Nela, o amor e a guerra, o grotesco e o sublime, a memória e o testemunho ajudam a ler o que lateja na prosa do mundo.” Sim, isso mesmo, ajudam a ler, já que normalmente permanecemos ignorantes perante a visão eletista e providencial dos interesses dominantes e as “outras” vozes não conseguem se manifestar, permanecem como “peixes mudos em aquário de pano e de metal”, “treinados para morrer sem protestos” e impedidos da “veleidade de um berro de revolta”...

Os cus de Judas.

Nonato Gurgel disse...

Cara Debora, volte sempre, é bom ouvir o que ecoa do outro em nós.

Abraço