e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quinta-feira, 13 de junho de 2013

"O mundo é um texto a ser interpretado com cuidado"



NG: Gustavo, para que serve um professor no século XXI?
 
GB: Ele continua a ser um exemplo para os alunos, quer o professor esteja consciente disso ou não. Pode ser um bom exemplo – alguém que está sempre lendo, investigando, perguntando, duvidando, aprendendo – ou pode ser um mau exemplo – alguém que não lê mais, que não tem mais dúvidas, que não respeita o aluno como o outro que não sabe mas quer e precisa saber.
 
NG: No capítulo “A filosofia ajuda a literatura?”, você faz uma bela leitura do "Grande Sertão" de Guimarães Rosa. Utilizando o recorte vocabular deste autor mineiro, você diz: “A palavra, como o Diabo, tem rabo.” O que sugere essa conexão entre o verbal e o demoníaco?
 
GB: Aprendemos com a ficção que toda palavra, toda frase, toda ideia tem uma sombra, um não dito que na verdade se diz junto com o dito, mas subliminar e inconscientemente. Aprendemos também que todo discurso é fundamentalmente ficcional, hipotético. Logo, precisamos sempre pensar o que se diz na sombra das palavras. O mundo é um texto a ser interpretado com cuidado. Cada pessoa também é um mundo, logo, cada pessoa também é um texto a ser interpretado com cuidado.
 
NG: Como professor de uma das universidades que melhor acolheu o sistema de cotas no país, você assume que era contra, mas que hoje continua contra, embora seja a favor. Justifica que esse sistema compromete o “princípio básico do mérito”.  Gostaria que comentasse acerca dessa questão.

 
GB: Os candidatos a uma vaga na universidade devem ser julgados com a mesma medida, independentemente de classe social ou cor da pele. Por isso no início achava que as cotas eram uma solução que escamoteava o verdadeiro problema: a baixa qualidade da escola pública, associada à desvalorização crescente do professor brasileiro. Este é o problema que deveria e deve ser atacado. Entretanto, o resultado efetivo dos alunos cotistas na UERJ, que não deixam nada a dever aos colegas não-cotistas, transformou uma iniciativa populista e demagógica num problema político muito interessante. Estes alunos seguram com garra essa oportunidade e dessa maneira forçam colegas e sociedade a rever seus preconceitos sociais. A experiência das cotas acabou escrevendo certo por linhas tortas, digamos assim.

 

NG: Quais dos seus livros você prefere e por quê?

 
GB: Bem, publiquei 22 livros: 1 volume de poemas, 10 romances e 11 ensaios.

O romance de que mais gosto é o último, "O gosto do apfelstrudel", talvez porque seja o último e porque mergulhei minha vida nele. O romance conta tudo o que passou pela cabeça do meu pai durante o mês em que esteve em coma, antes de morrer. Como eu soube disso? Eu não soube, eu inventei – e assim, acabei sabendo.

O ensaio de que mais gosto é o que estou escrevendo agora; imagino que só consiga terminá-lo no ano que vem. Chama-se “A ficção de Deus”. Nesse ensaio, procuro mostrar a estreita relação entre literatura e religião, a partir do personagem Deus e sob o ponto de vista de quem não crê, mas admira quem de fato acredita em Deus.
 
 

5 comentários:

Valéria Lourenço disse...

Muito bom, Nonato. Gostei muito das perguntas. Abçs.

Nonato Gurgel disse...

Bom que vc gostou, Valéria, as respostas surpreendem, alumiam.

Abraço

Marcelo Catunda disse...

Bacana. Autêntico,reflexivo, direto e ao mesmo tempo subjetivo.

Nonato Gurgel disse...

Bem vindo, Marcelo, volte sempre.

steferson lopes disse...

muito bom gostei muito esses tipos de literatura ta muito em falta no pais hoje.