e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Cazuza no museu II



Para Jo, Jurema, Rita e demais colegas da graduação em Letras - UFRN

 

Creio que a maioria dos leitores conhece Cazuza como o roqueiro exagerado que morreu de aids nos anos noventa, pedindo uma ideologia para viver. Poeta porralouca, seu desbunde tem a ver com a contracultura, e com o comportamento desejante dos jovens, como atesta essa fala que está no Museu da Língua Portuguesa: "eu não estou cabendo no mundo, me ajude alguém”.

 
Carregado nas referências literárias, o post anterior gerou indagações em torno do Cazuza leitor. Alusões às gerações beat e marginal parecem mais fáceis de engolir; não as relações de Caju com os textos de Carlos Drummond e Clarice Lispector. “Como assim”, pergunta Julia, “o que tem a ver o exagero do mar de Ipanema com a melancolia do pó de Minas”?

 
Bela pergunta, Julia, daria uma tese. Exímio leitor de prosa e poesia, Cazuza gostava de Água Viva, livro publicado em 1975 por Clarice Lispector. Dela, ele musicou trechos da crônica “Que o deus venha”, do livro póstumo A descoberta do mundo. O compositor transformou, em parceria com Frejar, o texto da escritora num belo blue gravado por Cassia Eller em seu primeiro vinil.
 
 
"lírios não nascem da lei"

 
Se com Clarice havia uma relação de identidade (“Sou inquieta, áspera e desesperançada”), com Drummond, parece haver uma filiação existencial em relação ao tempo. O poeta mineiro e o compositor carioca são do mesmo partido, como sugere o poema “Nosso tempo”, do livro A rosa do povo: “Este é tempo de partido/ tempo de homens partidos”. Este poema lembra a forma como Cazuza inicia sua canção “Ideologia”: “Meu partido é o coração partido”.

 
Mesmo partido, esse coração continua batendo. Quem muito bateu em vida, bate agora no museu. Logo ele que cantava, no final da vida, “eu vejo um museu de grandes novidades”, é agora peça viva de um ambiente interativo, onde as pessoas, ao atenderem a um telefone antigo, podem ouvir um Cazuza ríspido (“caralho, tem que ter uma mente nova”) ou esperançoso (“O Brasil vai ensinar ao mundo”). Coisas de quem portou, na veia, o final do século sem filtro.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

"lírios não nascem da lei"

Prof, quem mandou essa?

Nonato Gurgel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nonato Gurgel disse...

o verso é do Carlos Drummond de A rosa do povo.