Nas entrevistas copiladas em Fico besta quando me entendem (2013), parecem
claros alguns dos motivos que dificultam a leitura de Hilda Hilst. Sua escrita intensa
– parida do transbordamento, no silêncio e na urgência de quem se isola – causa
prazer, mas produz uma beleza que, às vezes, desconcerta. Pode também causar
inquietude e desconforto em quem lê, edita ou traduz.
Os textos de Hilda, assim como alguns
escritos de Clarice Lispector e de Ana C, nem sempre confortam ou aliviam. Às vezes criados em estados extremos ou febris, esse textos podem produzir
mal-estar. São escritos que rompem com as "bases de sustentação" (ideológica,
existencial, estética) do leitor, causando aquilo que Roland Barhes chama, em O prazer do texto, de “fruição”.
Este tipo de leitura sugere uma entrega e
um mergulho aos quais nem todo leitor contemporâneo se propõe. Trata-se de um
texto cuja lucidez “desesperada” provoca inquietações metafísicas, sugerindo a
aflição de quem assume ter “mania de Deus”, e escreve movida por temas incômodos
como a loucura e a morte. Essa movência é oriunda de um pai escritor que enloqueceu, e das filiações
estéticas a um cânone que a autora leu, desde o internato de freiras, e que inclui
nomes como Franz Kafka, Jorge de Lima, Guimarães Rosa, James Joyce, Samuel Beckett
e Otto Rank, dentre outros.
Nestas entrevistas realizadas em
Campinas-SP, na Casa do Sol – onde a autora “exilou-se” desde os anos sessenta
até a sua morte em 2004 –, inscreve-se um sentido de literatura como missão.
Nesta literatura dialogam, sem subordinação, o sagrado (haja epifania), o
humano (haja loucura), o animal (“tenho tudo a ver com o animal”) e o erótico (“tenho
medo da minha boceta”). Situados na dimensão cotidiana e histórica de quem cria, esses elementos díspares
ampliam o mundo de quem lê, mas não garantem nenhum acordo, nenhuma salvação.
Assim como acontece na leitura de Ana C, o
texto de Hilda mais sugere e seduz do que comunica. Uma coisa, porém, é certa: nem sempre essas duas senhoras fazem acordos com o leitor. Ambas adoram um pacto. O impacto desta obra vem disso: dos socos - no peito e na mente - que o texto produz, fazendo o
leitor sair do lugar, ir adiante. Do jeito que for.
5 comentários:
Gostei pra valer.
Ana, Clarice e Hilda é uma tríade que tira o leitor da letargia e confronta, choca e impulsiona pra um mergulho em si mesmo, antes de ir adiante e seguir em frente. Você não permanece o mesmo, depois de um mergulho nelas.
Anônimo 1, gostei do "pra valer";
Anônimo 2, ninguém permanece o mesmo, após a leitura destes comentários.
Voltem sempre
Bonito, Nonato.
quem terá escrito Bonito?
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