e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 21 de dezembro de 2013

Hilda Hilda, que seja do jeito



Nas entrevistas copiladas em Fico besta quando me entendem (2013), parecem claros alguns dos motivos que dificultam a leitura de Hilda Hilst. Sua escrita intensa – parida do transbordamento, no silêncio e na urgência de quem se isola – causa prazer, mas produz uma beleza que, às vezes, desconcerta. Pode também causar inquietude e desconforto em quem lê, edita ou traduz.

 
Os textos de Hilda, assim como alguns escritos de Clarice Lispector e de Ana C, nem sempre confortam ou aliviam. Às vezes criados em estados extremos ou febris, esse textos podem produzir mal-estar. São escritos que rompem com as "bases de sustentação" (ideológica, existencial, estética) do leitor, causando aquilo que Roland Barhes chama, em O prazer do texto, de “fruição”.

 
Este tipo de leitura sugere uma entrega e um mergulho aos quais nem todo leitor contemporâneo se propõe. Trata-se de um texto cuja lucidez “desesperada” provoca inquietações metafísicas, sugerindo a aflição de quem assume ter “mania de Deus”, e escreve movida por temas incômodos como a loucura e a morte. Essa movência é oriunda de um pai escritor que enloqueceu, e das filiações estéticas a um cânone que a autora leu, desde o internato de freiras, e que inclui nomes como Franz Kafka, Jorge de Lima, Guimarães Rosa, James Joyce, Samuel Beckett e Otto Rank, dentre outros.
 

Nestas entrevistas realizadas em Campinas-SP, na Casa do Sol – onde a autora “exilou-se” desde os anos sessenta até a sua morte em 2004 –, inscreve-se um sentido de literatura como missão. Nesta literatura dialogam, sem subordinação, o sagrado (haja epifania), o humano (haja loucura), o animal (“tenho tudo a ver com o animal”) e o erótico (“tenho medo da minha boceta”). Situados na dimensão cotidiana e histórica de quem cria, esses elementos díspares ampliam o mundo de quem lê, mas não garantem nenhum acordo, nenhuma salvação.

 
Assim como acontece na leitura de Ana C, o texto de Hilda mais sugere e seduz do que comunica. Uma coisa, porém, é certa: nem sempre essas  duas senhoras fazem acordos com o leitor. Ambas adoram um pacto. O impacto desta obra vem disso: dos socos - no peito e na mente - que o texto produz, fazendo o leitor sair do lugar, ir adiante. Do jeito que for.


5 comentários:

Anônimo disse...

Gostei pra valer.

Anônimo disse...

Ana, Clarice e Hilda é uma tríade que tira o leitor da letargia e confronta, choca e impulsiona pra um mergulho em si mesmo, antes de ir adiante e seguir em frente. Você não permanece o mesmo, depois de um mergulho nelas.

Nonato Gurgel disse...

Anônimo 1, gostei do "pra valer";
Anônimo 2, ninguém permanece o mesmo, após a leitura destes comentários.

Voltem sempre

Anônimo disse...

Bonito, Nonato.

Anônimo disse...

quem terá escrito Bonito?