e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Stefan, autor do futuro



Conhecia Stefan Zweig como o escritor austríaco que publicou, no final da era Vargas, o livro Brasil, um país do futuro (1941), e que se matou, junto com a esposa, em 1942, em Petrópolis - RJ. Traduzido para vários países, este texto afirma e celebra a nossa história, sem esquecer as contradições sociais e as farturas naturais que nos erigem. Sobre o autor, o seu final trágico e a escritura deste livro, no período do Estado Novo (1937 - 1945), brotam filmes, narrativas e lendas políticas infindas, sobre os quais eu não tenho nenhuma competência para comentar.

 
Brasil, um país do futuro tornou-se um clássico do nacionalismo moderno e uma expressão clichê. Neste longo ensaio no qual contrapõe, em poucos momentos, os ares europeus aos ventos de cá, o autor reconhece que aqui “a tensão no ar é menor”. Ao lançar o seu olhar sobre a cultura brasileira, Stefan ratifica as obras de José de Alencar, Machado de Assis, Euclides da Cunha e Vila Lobos, dentre outros; e o seu olhar cosmopolita dialoga, no Rio de Janeiro dos anos trinta, com uma multiplicidade de formas históricas e urbanas pelas quais o autor transita voltando no tempo.

 

Stefan adora voltar no tempo. Autor de sucesso crítico e editorial nas primeiras décadas do século XX, principalmente na Europa, ele é também um intelectual humanista atento aos fatos políticos e às memórias coletivas dos povos europeus durante as duas grandes guerras. Eles são os principais “personagens” deste belíssimo testemunho – ideológico, sócioexistencial e estético – que ele nos lega, e que acabo de devorar com rapidez e espanto: O mundo de ontem – recordações de um europeu (Assírio & Alvim, Lisboa).

 

Em O mundo de ontem, o termo cultura é associado ao que é terno, sublime, refinado. Os autores e as práticas culturais “narrados” nestas “recordações” são constantemente associados aos elevados valores espirituais, dos quais a luta pelas liberdades e a noção de profundidade do eu são os dois valores mais destacados.

 

Este testemunho cosmopolita e moderno, inscreve uma noção de cultura, cujo sentido e prazer das formas estéticas são sempre direcionados para a noção do belo e do mais profundo. Essa direção nos faz pensar nos fatos sociais, e nas noções de cultura que engendram, de forma contrária, alguns discursos estéticos e multiculturalistas neste início de milênio.

 

Através destes discursos, as histórias das “minorias” (mulheres, negros, índios, homossexuais, detentos ... ) e as linguagens “periféricas” começam a ecoar nas “margens plácidas” do re-finado cânone literário ocidental. O mesmo cânone masculino, heterossexual e eurocêntrico que Stefan ajudou a inscrever (calma, leitor: sabemos que por sua altíssima qualidade estética, e pela sua densidade secular, este cânone não vai acabar nunca; assim como sabemos, também, que o coneito de literatura é mutante como a própria vida: o que hoje chamamos de literatura, e que este cânone branco e universal representa tão bem, possui pouco mais de dois séculos).

 

São raros os livros de Stefan Zweig traduzidos hoje no Brasil. Nunca li o seu nome numa bibliografia acadêmica brasileira, mas as suas percepções e a sua sintaxe me ajudaram muito a entender o século bélico e fragmentado no qual nascemos. Por isso ele é um autor do futuro. No próximo post volto aO Mundo de ontem “com uma sede de anteontem... e vamos botar água no feijão”.
 

2 comentários:

Mariana Belize disse...

Zweig é genial!
Adorei o texto, prof.

Bj

Nonato Gurgel disse...


Mariana, vc é a única leitora do
Zweig que eu conheço.

bj