Conhecia Stefan
Zweig como o escritor austríaco que publicou, no final da era Vargas, o livro Brasil, um país do futuro (1941), e que se matou, junto com a esposa, em 1942, em Petrópolis - RJ. Traduzido para vários países,
este texto afirma e celebra a nossa história, sem esquecer as contradições sociais e
as farturas naturais que nos erigem. Sobre o autor, o seu final trágico e a escritura deste livro, no período do Estado Novo (1937 - 1945), brotam filmes, narrativas e lendas políticas infindas, sobre os quais eu não tenho nenhuma competência para comentar.
Brasil, um país do futuro tornou-se um clássico do nacionalismo moderno e uma expressão clichê. Neste longo
ensaio no qual contrapõe, em poucos momentos, os ares europeus aos ventos de
cá, o autor reconhece que aqui “a tensão no ar é menor”. Ao lançar o seu olhar sobre
a cultura brasileira, Stefan ratifica as obras de José de Alencar, Machado de
Assis, Euclides da Cunha e Vila Lobos, dentre outros; e o seu olhar cosmopolita
dialoga, no Rio de Janeiro dos anos trinta, com uma multiplicidade de formas históricas
e urbanas pelas quais o autor transita voltando no tempo.
Stefan adora
voltar no tempo. Autor de sucesso crítico e editorial nas primeiras décadas do
século XX, principalmente na Europa, ele é também um intelectual humanista atento
aos fatos políticos e às memórias coletivas dos povos europeus durante as duas grandes
guerras. Eles são os principais “personagens” deste belíssimo testemunho –
ideológico, sócioexistencial e estético – que ele nos lega, e que acabo de devorar
com rapidez e espanto: O mundo de ontem
– recordações de um europeu (Assírio & Alvim, Lisboa).
Em O mundo de ontem, o termo cultura é associado
ao que é terno, sublime, refinado. Os autores e as práticas culturais
“narrados” nestas “recordações” são constantemente associados aos elevados valores
espirituais, dos quais a luta pelas liberdades e a noção de profundidade do eu
são os dois valores mais destacados.
Este testemunho
cosmopolita e moderno, inscreve uma noção de cultura, cujo sentido e prazer
das formas estéticas são sempre direcionados para a noção do belo e do mais profundo.
Essa direção nos faz pensar nos fatos sociais, e nas noções de cultura que
engendram, de forma contrária, alguns discursos estéticos e multiculturalistas
neste início de milênio.
Através destes
discursos, as histórias das “minorias” (mulheres, negros, índios, homossexuais,
detentos ... ) e as linguagens “periféricas” começam a ecoar nas “margens plácidas” do
re-finado cânone literário ocidental. O mesmo cânone masculino, heterossexual e eurocêntrico que Stefan ajudou a inscrever (calma, leitor:
sabemos que por sua altíssima qualidade estética, e pela sua densidade secular, este cânone não vai acabar
nunca; assim como sabemos, também, que o coneito de literatura é mutante como a própria vida: o que hoje chamamos de literatura, e que este cânone branco e universal representa tão bem, possui pouco mais de dois séculos).
São raros os
livros de Stefan Zweig traduzidos hoje no Brasil. Nunca li o seu nome numa
bibliografia acadêmica brasileira, mas as suas percepções e a sua sintaxe me ajudaram muito a entender o
século bélico e fragmentado no qual nascemos. Por isso ele é um autor do futuro. No
próximo post volto aO Mundo de ontem “com
uma sede de anteontem... e vamos botar água no feijão”.
2 comentários:
Zweig é genial!
Adorei o texto, prof.
Bj
Mariana, vc é a única leitora do
Zweig que eu conheço.
bj
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