O amor, como a democracia, dá muito trabalho.
Ambos exigem muito investimento, principalmente
de caráter e afetivo.
de caráter e afetivo.
João Antonio
Com trânsito bastante produtivo nos universos da
literatura e do jornalismo, João Antonio assumia ser o tipo de escritor atraído pela vida e pelas formas que vingam às margens da sociedade brasileira. Ele preferia escrever sobre coisas experimentadas,
situações vividas no corpo e na fala. Repórter de ícones importantes da mídia na década de 70, como a revista Realidade e jornal O pasquim, ele
atravessou grande parte do Brasil urbano e rural, e parecia fascinado pelas coisas
da cultura popular.
Alguns dos seus personagens exemplificam aquele
narrador clássico, de quem nos fala Walter Benjamin, um narrador calcado na
oralidade, conectado com a fala cotidiana e seus desvios. Como sabemos, este tipo de narrador recorre
ao seu “acervo” de experiências próprias e alheias, a fim de inscrever a sua
aprendizagem, os seus deslocamentos. Ele tem uma norma de vida que deseja repassar, ao vivo, na cara do freguês, como ensina a lição do
crítico alemão, a partir da leitura que ele faz do russo Leskov e seus personagens agrários.
Esta narrativa que testemunha a
experiência vivida e a memória - como lemos no texto de João “Corpo-a-corpo com a vida” -
possui uma linhagem vigorosa em nossa literatura. A essa linhagem filiam-se
autores da maior importância, como Graciliano Ramos e Lima Barreto. No século
XX, estes autores são parâmetros estéticos e culturais para a abordagem
temática do cotidiano das camadas populares, e das linguagens produzidas pelas diferentes culturas brasileiras. Assim como João, os dois autores modernistas não
enfeitam. Eles detestam a gordura literária; leia-se: eles deletam o excesso, a
grandiloqüência.
sem cânone nem leitor
Influenciado pelo cinema de Glauber Rocha e pela
literatura moderna, João Antonio considerava Lima Barreto o “maior romancista” da
chamada República Velha, sendo Afonso Henriques de Lima Barreto o primeiro
nome que aparece na dedicatória de Malagueta, Perus e Bacanaço. Por isso, ressalto a leitura de Antônio Arnoni Prado, ao reconhecer a filiação tonal
da narrativa de João Antônio à escrita de Lima Barreto; isso se
pensarmos em questões como ética, forma social e estética. Questões sugeridas nos
contos de Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), sucesso de crítica que
resultou em dois prêmios Jabuti (revelação de autor e melhor livro de
contos).
Nas relações traçadas entre as ações dos personagens de João Antonio e suas falas, o texto escrito e o contexto social dialogam de forma determinante para a produção das linguagens que o autor constrói. Essa construção leva em conta a oralidade da tribo na qual ele age, e a visibilidade cortante que perpassa a retina do seu cotidiano concreto e carnal feito de sinucas, garrafas, tampas caídas, cafua, barrigas famintas, lutas, animais, jogos da rua...
Nas relações traçadas entre as ações dos personagens de João Antonio e suas falas, o texto escrito e o contexto social dialogam de forma determinante para a produção das linguagens que o autor constrói. Essa construção leva em conta a oralidade da tribo na qual ele age, e a visibilidade cortante que perpassa a retina do seu cotidiano concreto e carnal feito de sinucas, garrafas, tampas caídas, cafua, barrigas famintas, lutas, animais, jogos da rua...
Apenas um seleto grupo de leitores conhece a obra de
João Antonio. O autor de Malhação do Judas Carioca é lido por poucos e
importantes nomes da crítica literária. Sua obra é ainda pouco estudada no
universo acadêmico onde merece, sem dúvida, maior divulgação. É urgente a
leitura deste autor não inscrito, premiado. Principalmente para os
alunos dos cursos de Letras. Talvez não seja uma leitura pela qual o leitor se apaixona de cara, como acontece com Fernando Pessoa, por exemplo. João dá trabalho. Muito trabalho. Como o amor e a democracia.
2 comentários:
Meu querido Nonato, mais uma vez, parabéns pelo seu belíssimo texto. Desde que li Malagueta, Perus e Bacanaço, fiquei fã do João. Receba o abraço-forte do seu Carlos Magno!
Carlinhos querido, vc é um exímio leitor! É muito bom saber que faz parte do seleto grupo que curte João Antonio.
Abraço
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