e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

(...)

Em outros termos, vislumbro alucinada a morbidez deste barato.
Logo eu que amo os transatlânticos, as viaturas pesadas, o
transporte visível da malícia. As contradições. O nonsense
perfilado. Logo eu que abocanho fantasmas como quem mastiga
uma iguaria. Olho de longe o paquete, mas como? Se é escuro e
não basta aguçar a vista para ver e contentar-se. Estou encos-
tada no lampião da rua nonchalante e lúbrica. Atmosfera maríti-
ma, paralelepípedos, nada de pesadelos, ou será que o professor-
zinho passou na outra dobra com o seu guarda-chuva? Era um cogu-
melo. Era um guardanapo. São as pernas andróginas de Orlando.
Mas sempre do outro lado. Logo eu que biograficamente me conver-
ti numa saudade de pedra. ...invisível e
imóvel o cargueiro refaz minha figura. Meus hábitos aguardam a
partida: a expulsão do cais.

Ana Cristina Cesar, Antigos e Soltos, 2008

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou igualzinha a ela: abocanho fantasma, iguaria, corpo humano. Tanto faz.