e todo caminho deu no mar

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"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

sábado, 25 de junho de 2011

Cidade de Letras



olhar urbano e estética moderna


Desde a Antiguidade clássica, as formas de vida desenvolvidas no campo e na cidade geram contrastes e obras de arte. Na história da literatura, o rual e o urbano são espaços produtores de diferentes tipos de textos, como atestam "Os Sertões" de Euclides da Cunha e "Ulisses" de James Joyce.


A modernidade do texto de autores como Euclides e Joyce remete a tempos quando o mundo realista ou romântico. Miremos o Romantismo. Se o “gênio” romântico gozava geralmente da paz silenciosa do cenário bucólico como espaço de sua criação, os autores da belle époque e do modernismo elegeram a cidade, a rua e a multidão como “musas” inspiradoras.


Ornada por fábricas, corpos apressados e mercadorias, a cidade moderna é o cenário no qual o poeta perde a sua aura e põe a melancolia no bolso.


Na cidade é encenado, segundo Valéry, o último ato da “indústria do belo”. Em meios a prédios, autos e anúncios luzidios, o poeta moderno constrói um novo olhar e começa a “pintar”, no poema, o cenário maquínico e tecnológico da cidade.


Vestígios desse novo olhar, imagens dessa outra noção de beleza, podem ser vislumbrados nos “quadros parisienses” do livro "As Flores do Mal", de Charles Baudelaire:


Verei a fábrica em azáfama engolfada;/ Torres e chaminés, os mastros da cidade... Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história/ Depressa muda mais que um coração infiel)


Essas mudanças anunciadas no poema aconteciam não apenas na Paris "fabulada" por Baudelaire e escritores da belle époque. Mutações e deslocamentos eram visíveis também na “Paulicéia desvairada" de Mário de Andrade, e no Rio de Janeiro do prefeito Pereira Passos, cidade moderna cuja linguagem urbana refletia o “discurso metonímico de todo o país” (Beatriz Resende).


Paris, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Buenos Aires... Nestas e noutras metrópoles surgia - associada a uma espécie de "pensamento teatral" e a uma sensibilidade maquínica -, essa estética moderna. Uma estética que é calcada, dentre outros, nas noções de visibilidade, choque, superfície, velocidade e corte.


a viagem, a rua e a arte de flanar


Haja cena. Estetizada na metrópole, essa teatralidade pensante e existencial pode ser lida nos gestos e atitudes de alguns artistas daquele cenário moderno. Essa teatralidade moderna é lida, por exemplo, nas performances urbanas do dândi e do flâneur, e nas viagens para a Europa feitas por artistas e intelectuais como João do Rio e Oswald de Andrade.  Através dessas viagens, eles estetizavam as suas expectativas de escritores periféricos e inscreviam o testemunho da alteridade.


Como no romance "Serafim Ponte Grande", de Oswald, esse testemunho inscreve-se também no texto de João do Rio. Ele se  destaca como um dos autores do início do século que mais se voltaram para a inscrição da alteridade no novo cenário urbano. Nos textos reunidos em "A alma encantadora das ruas", o autor carioca tematiza as relações subjetivas criadas no contato entre o sujeito, a janela, a máquina e a rua.


A rua é o espaço onde a língua se transforma, leciona a leitura de João  do Rio. Seus textos encenam aquela arte de flanar, da qual fala Walter Benjamin em "Charles Baudelaire: um lírico no auge no capitalismo".  Há nesses textos uma sintaxe de corpos, gestos, cheiros e afetos urbanos. Sintaxe que se (a)firma em "A alma encantadora das ruas": “A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há um suor humano na argamassa do seu calçamento”.


2 comentários:

Anônimo disse...

Benjamin, Baudelaire...sem comentários.
Valéria Lourenço.

Anônimo disse...

Há nesses textos uma sintaxe de corpos, gestos, cheiros e afetos urbanos. Sintaxe que se (a)firma em "A alma encantadora das ruas": “A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há um suor humano na argamassa do seu calçamento”.

amei isso

bjs

LH